segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

De onde menos se espera...


Ainda é muito cedo para qualquer análise ou caracterização mais completa do governo Tarso, que mal completou 30 dias. Porém, gostaria de arriscar alguns apontamentos baseados nos primeiros movimentos, nas manifestações públicas e no passado recente.

Ao contrário do estilo discreto do governo Dilma, o novo governo estadual mostra-se ávido pela produção de manchetes e sujeito a pauta determinada pelo oligopólio midiático regional. Muitas, diga-se de passagem, de concretização duvidosa ou em tempo indeteminado - vide o anúncio do empréstimo solicitado ao BNDES e o velho e batido projeto de atração de novas montadoras.

Particularmente, suspeito da ausência de um projeto político claro e definido pelo governo estadual. Vou explicar o porquê.

Herdeiro do enorme patrimônio político construido pelas administrações da Frente Popular no Estado nas últimas décadas e eleito no primeiro turno das eleições sem necessidade de qualquer concessão na política de alianças, Tarso possui condições incomparavelmente mais favoráveis para avançar programaticamente do que Lula e Dilma. Todavia, durante bom tempo o nosso governador tem priorizado a chamada "Concertación". Em bom português, a boa e velha política de conciliação.

 Logo após a posse, a conciliação converge para o chamado Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Com seus membros escolhidos pelo governador, o Conselho parece ter como principal tarefa satisfazer a agenda de setores conservadores e legitimar reformas impopulares, blindando o governo de maiores desgastes.

Essa estrutura, muito assemelhada aos conselhos criados pelos velhos monarcas, é totalmente antagônica ao mecanismo de democracia direta, voluntária e universal criado no governo Olívio, o Orçamento Participativo-OP. Enquanto no OP o governo propunha discutir e buscar soluções para os problemas do Estado com toda a cidadania, delegando poder ao povo para discutir sobre investimentos e políticas públicas, o Conselho busca em notáveis, principalmente no círculo de relações do próprio governador, construir saídas pactuadas para questões previamente determinadas.

Um retrocesso incontestável em termos de originalidade e uma grande decepção para todos que acreditam na radicalização da democracia e na participação popular como instrumento de controle e aperfeiçoamento do Estado.

Espero que mais uma vez não impere a máxima do velho Barão: "de onde menos se espera é que não vem nada mesmo".

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Honduras e mais uma farsa midiática

A matéria publicada pela RadioagênciaNP abaixo mostra mais um exemplo de como a mídia corporativa produz suas farsas e defende seus interesses utilizando falsos de princípios como argumento.

Mídia protege os golpistas de Honduras

 Recentemente, sem que a mídia nativa fizesse qualquer alarde, o parlamento de Honduras aprovou mudanças na Constituição que permitem a realização de referendo sobre a reeleição presidencial. A alteração foi exatamente o motivo alegado pelos golpistas para derrubar o presidente Manuel Zelaya, em junho de 2009. Sob o pretexto de que ele pretendia se perpetuar no poder, empresários e generais, com apoio direto dos Estados Unidos (EUA), patrocinaram o golpe.

Agora, os próprios golpistas promovem a “reforma constitucional”. O projeto recebeu 103 votos a favor e 25 contra, num parlamento totalmente tutelado. “Antes era pecado falar que o povo deveria decidir e hoje chegamos ao entendimento de que o povo é superior a nós, os deputados”, argumentou, na maior caradura, Juan Hernándes, o presidente do mesmo Congresso Nacional que há um ano e meio chancelou a violenta derrubada de Zelaya.

Dez jornalistas assassinados

Na época do golpe, a mídia colonizada deu respaldo ao ato arbitrário. “Calunistas” brasileiros, como Alexandre Garcia, da TV Globo, difundiram que não houve golpe, mas sim a defesa da Constituição contra as iniciativas “autoritárias” de Zelaya. Nem os EUA embarcaram nesta conversa, conforme provam memorandos da embaixada vazados pelo Wikileaks. Agora, a mesma imprensa faz total silêncio sobre o “golpe” dos golpistas.” Honduras não é mais manchete na mídia.

Enquanto isso, o presidente Porfírio Lobo, eleito num pleito que não é reconhecido pela maioria das nações, incluindo o Brasil, comete as maiores atrocidades. Em dezembro passado, mais um jornalista foi barbaramente assassinado. Henry Souza trabalhava na Cablevisión Del Atlantico e levou vários tiros ao sair de sua casa. Ele dava voz em seus programas de TV às comunidades camponesas da região e era detestado pelos latifundiários.

Onda de violência não é notícia

Segundo o jornal La Tribuna, Souza foi o décimo jornalista morto no ano passado. Além de censurar e perseguir jornalistas, o governo de Porfírio Lobo é cúmplice da ação de grupos paramilitares. Segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos, somente nos primeiros seis meses de 2010 houve uma média de 16 mortes violentas por dia..

No início de janeiro, um grupo paramilitar investiu contra um ônibus e matou oito pessoas em Olancho, uma comunidade rural. Quatro mulheres e quatro crianças, incluindo um bebê de 18 meses, foram assassinadas. Segundo a Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), a chacina “teve semelhança com os diversos atentados contra opositores do regime ditatorial, desde o golpe militar de 28 de junho de 2009”. Para a mídia brasileira, que apoiou o golpe, esta onda de violência não é notícia!

Por Altamiro Borges - jornalista e presidente do Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Os 40 anos do voo da liberdade


14 de janeiro de 1971 - 14 de janeiro de 2011


Por Umberto Trigueiros Lima (Mazine)

Fazia um calor insuportável no Rio, naqueles dias de janeiro de 1971, 40º à sombra. Lembro que no dia 13, fomos levados para a Base Aérea do Galeão, espremidos em 2 ou 3 camburões pequenos, desde o quartel do Batalhão de Guardas, no bairro de São Cristóvão, onde estávamos recolhidos aguardando o desenlace das negociações do sequestro. Éramos: eu (Umberto), Antonio Rogério, Aluízio Palmar, Pedro Alves, Marcão, Ubiratan Vatutin, Irani Costa, Afonso, Afonso Celso Lana, Bretas, Julinho, Mara, Carmela, Dora e Conceição. Fazia sol a pino e os caras pararam os camburões em algum pátio descampado da Base e deixaram a gente lá torrando dentro daqueles verdadeiros fornos e de puro sadismo e sacanagem riam e gritavam uns para os outros, ?...olha aí cara, os rapazes estão com calor, você esqueceu de ligar o ar, eles vão ficar suadinhos...?. Um outro dizia, ?...deixa esses filhos da puta esturricarem aí dentro, pode ser que algum deles vá logo para o inferno...?. A viagem ao inferno não era possível, pois já estávamos nele, ou seja nos cárceres da ditadura, há algum tempo. A temperatura dentro dos carros era altíssima, mal conseguíamos respirar pelas poucas frestas de ventilação, os miolos pareciam que iam estourar. Foi um horror!

Ficamos na Base durante todo o dia 13, onde já estavam muitos outros companheiros vindos de outras prisões e de outros estados e lá nos mantiveram o tempo todo algemados em duplas. Nos deram comida podre, tiraram mais impressões digitais, nos obrigaram a tirar fotos nus em diferentes posições. Alguns deles diziam que era para o futuro reconhecimento dos cadáveres... Perto da meia noite nos levaram para o embarque, nos agruparam do lado do avião, frente a um batalhão de fotógrafos postados há uns 50 metros de distância, atrás de uma corda. Éramos 70, mais as filhas do Bruno e da Geny Piola, as menininhas Tatiana, Kátia e Bruna. Os flashes espocavam e muitos de nós levantamos os punhos, outros fizeram o V da vitória, enquanto os caras da aeronáutica por trás davam socos nas costas de alguns companheiros. Nosso voo da liberdade para o Chile decolou aos 2 minutos de 14 de janeiro. Durante o voo, íamos algemados e os policiais da escolta nos provocavam. ?...Olha aí malandro, se voltar vai virar presunto, nome de rua....?. A tripulação da Varig, mesmo discreta, foi simpática e afável conosco e quando chegamos a Santiago um comissário de bordo veio correndo me contar que havia uma faixa na sacada do aeroporto que dizia ?Marighella Presente?.

Foram 2 longos dias, cheios de tensão, de expectativa, de esperança, todos os sentidos em atenção. Talvez, alguns dos mais longos dias das nossas vidas. Tenho a certeza de que nenhum de nós jamais se esquecerá daqueles momentos. Nas últimas horas da madrugada do dia 14 chegamos ao Chile. Depois de 38 dias de negociações muito difíceis, de risco extremo, mas com muita firmeza e equilíbrio por parte do Comandante Carlos Lamarca e dos companheiros da VPR que realizaram a operação de captura do embaixador suíço, aquela que seria a última grande ação armada da guerrilha urbana brasileira terminava vitoriosa. Começava um novo tempo nas nossas vidas.

Fomos descendo do avião, já sem algemas (os policiais brasileiros da escolta foram impedidos de desembarcar), nos abraçando emocionados, rindo, chorando, cantando a Internacional, acenando para os companheiros brasileiros e chilenos que faziam uma carinhosa manifestação para nos recepcionar.

Um general de Carabineros nos reuniu no saguão do aeroporto e fez uma preleção sobre tudo que estávamos proibidos de fazer no país. Logo em seguida, funcionários do governo da UP e companheiros dos vários partidos da coalizão nos disseram ali mesmo para não levar a sério nada do discurso do tal general. Era o Chile de Salvador Allende que íamos viver e conhecer tão intensamente.

Amanhecia o dia 14 de janeiro de 1971 quando saímos do aeroporto de Pudahuel em ônibus, escoltados por Carabineros. Amanhecia também aquele novo tempo das nossas vidas e amanhecia o Chile da Unidade Popular, da imensa liberdade, das grandes mobilizações populares, da luta de classes ao vivo e a cores saltando diante dos nossos olhos todos os dias. Pelas ruas de Santiago, a caminho do Parque Cousiño onde ficaríamos alojados, os operários que trabalhavam nas obras do Metrô acenavam para a gente, outros aplaudiam, alguns levantavam os punhos cerrados. Imagens que ficariam para sempre na memória, fotografias de um tempo.

Aquele dia parecia infindo, ninguém conseguia pregar um olho, foi um dia enorme, cheio de encontros, de descobertas, de luz. Estávamos bêbados de liberdade e ao mesmo tempo ainda marcados pela sombra da prisão, pelas tristes notícias de mais companheiros covardemente assassinados pelos cães da ditadura. Na nossa primeira refeição no Hogar Pedro Aguirre Cerda a maioria deixou os garfos e facas sobre a mesa e comeu de colher, como fazíamos na prisão. Quando íamos para os quartos de alojamento, alguns cometiam o ato falho de dizer ?...vou para a cela...?. Na nossa primeira saída, um grupo se perdeu na cidade e voltou para o Hogar de carona num camburão dos Carabineros, motivo de gozação geral. Lembro da imensa solidariedade e carinho com que fomos recebidos pelos companheiros chilenos e também por estudantes, intelectuais, artistas, operários, pessoas do povo enfim que iam nos visitar, que fizeram coletas para nos arranjar algum dinheiro e roupas, que nos queriam levar para suas casas.

Nas semanas e meses seguintes, pouco a pouco fomos nos dispersando, construindo nossas opções de militância, de vida.

Viveríamos intensamente aquele processo chileno e também nossos vínculos com a luta no Brasil. Nos encharcaríamos com o aprendizado daquela magistral aula de história e de política ?em carne viva?. Paixões, alegrias, nostalgias, saudade, amores, amizade, solidariedade, companheirismo, tudo junto, ao mesmo tempo.

Muitos de nós estivemos no Chile até o fim, vivendo e testemunhando os horrores do golpe de 11 de setembro de 1973. Em muitos casos, mais uma vez, escapando por pouco, por muito pouco.

Outros companheiros, por diferentes razões de militância e pessoais foram viver em outros países. Alguns trataram de organizar suas voltas clandestinas ao Brasil, na esperança de continuar a luta armada. Uns poucos conseguiram manter-se, mas infelizmente, nessa empreitada de luta, vários companheiros foram assassinados. Honro as suas memórias e me orgulho de termos compartido aqueles momentos tão significativos das nossas vidas.

Foi o tempo que nos tocou viver. Era um tempo de guerra, mas também de uma enorme esperança..

Na passagem dos 40 anos da nossa libertação, acho que deveríamos dedicar a memória desse encontro fraterno, em primeiro lugar aos companheiros do nosso grupo chacinados pelas ditaduras brasileira e chilena, como também aqueles que marcados por sequelas e feridas psicológicas insuportáveis não conseguiram continuar suas vidas : Daniel José de Carvalho, Edmur Péricles Camargo, João Batista Rita, Joel José de Carvalho, Wânio José de Matos, Tito de Alencar Lima, Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Gustavo Buarque Schiller. Em segundo lugar, com saudade, a todos os companheiros daquela viagem para a liberdade de 14 de janeiro de 1971, que já nos deixaram. Com eterna gratidão e reconhecimento ao Comandante Carlos Lamarca e aos combatentes da VPR que realizaram aquela ação revolucionária audaz e vitoriosa. E também a todos os brasileiros da nossa geração (e aqui não falo em idade, que pode ter ido dos 12 aos 80) que não se acovardaram, que foram capazes de enfrentar aqueles duros e difíceis tempos, quando dizer não poderia significar a morte, ?...quando falar em árvores era quase um crime...?.

Enfim, a todos os que OUSARAM LUTAR...!

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