FMI + Banco Mundial = centenas de ricos, bilhões de pobres
A Irlanda devia estudar as lições da Argentina. A separação do euro teria consequências, mas está a tornar-se cada vez mais provável que a dor da ruptura é menor do que a dor de permanecer nele.
Por Dean Baker, para o Esquerda.net
Josef Ackermann, presidente do Deutsche Bank Quando um bombeiro ou uma equipa médica realizam um salvamento, a pessoa fica geralmente melhor como resultado. Isto é menos claro quando o socorrista é o Banco Central Europeu (BCE) ou o FMI.
A Irlanda experimenta actualmente uma taxa de desemprego de 14,1%. Como resultado das condições de resgate, que exigirão mais cortes na despesa do governo e aumentos de impostos, é quase certo que a taxa de desemprego aumente. É provável que povo irlandês se pergunte como estaria a sua economia se não tivessem sido resgatados.
A dor que está a ser infligida à Irlanda pelo BCE/FMI é completamente desnecessária. Se o BCE se comprometesse a conceder empréstimos à Irlanda a taxas de juro baixas, um mecanismo inteiramente ao seu alcance, então a Irlanda não teria nenhum problema orçamental grave. Os seus enormes défices projectados decorrem fundamentalmente da combinação dos altos custos dos juros da sua dívida e do resultado de operar a níveis de produção econômica que estão bem abaixo do pleno emprego – ambos resultados que podem ser assacados em grande parte ao BCE.
Vale a pena lembrar que o governo da Irlanda era um modelo de probidade fiscal antes da crise económica. Tinha grandes excedentes orçamentais nos 5 anos anteriores ao início da crise. O problema da Irlanda não era certamente gastos de governo fora do controle, era um sistema bancário temerário que alimentou uma enorme bolha imobiliária. Os magos econômicos do BCE e do FMI ou não viam a bolha ou não pensaram que valia a pena mencioná-la.
O fracasso do BCE ou do FMI em tomar medidas para conter a bolha antes da crise não tornou essas instituições financeiras internacionais tímidas em usar mão pesada na imposição de condições agora. O plano é impor uma austeridade rígida, exigindo a uma boa parte da força de trabalho da Irlanda que sofra desemprego durante os próximos anos, como resultado do fracasso dos seus banqueiros e do BCE.
Embora seja frequentemente alegado que estas instituições não são políticas, só os mentecaptos ainda poderiam acreditar nisso. A decisão de fazer os trabalhadores da Irlanda, juntamente com os trabalhadores em Portugal, Espanha, Letónia e outros lugares, pagar pela irresponsabilidade dos banqueiros do seu país é inteiramente política. Não há nenhum imperativo econômico que diga que os trabalhadores devem pagar; esta é uma decisão política que está a ser imposta pelo BCE e pelo FMI.
Esta devia ser uma enorme bandeira de advertência para os progressistas e, de facto, para todos os que acreditam na democracia. Se o BCE coloca condições sobre um pacote de resgate, será muito difícil para um governo eleito na Irlanda reverter essas condições. Por outras palavras, as questões que os eleitores da Irlanda vão ser capazes de decidir são susceptíveis de ser triviais em importância relativamente às condições que serão impostas pelo BCE.
Não há nenhum argumento sério para um banco central que não presta contas. Embora ninguém espere ou queira que os parlamentos nacionais micro-administrem a política monetária, o BCE e outros bancos centrais devem claramente prestar contas aos órgãos eleitos. Seria interessante ver como eles podem justificar os seus planos para submeter a Irlanda e outros países a um desemprego de dois dígitos durante os próximos anos.
O outro ponto que deve ser mantido em mente é que mesmo um país relativamente pequeno como a Irlanda tem opções. Especificamente, eles poderiam sair do euro e aplicar uma moratória às suas dívidas. Esta dificilmente é uma melhor primeira opção, mas se a alternativa é uma restrição indefinida de desemprego de dois dígitos, então deixar o euro e a moratória parece muito mais atraente.
O BCE e o FMI insistirão que este é o caminho para o desastre, mas a sua credibilidade neste ponto é quase zero. Há um precedente óbvio. Em 2001, o FMI estava a pressionar a Argentina para prosseguir medidas de austeridade cada vez mais rigorosas. Tal como a Irlanda, a Argentina também tinha sido uma criança modelo das hostes neoliberais antes de entrar em dificuldades.
Mas o FMI pode mudar rapidamente. O seu programa de austeridade baixou o PIB em quase 10% e empurrou a taxa de desemprego bem para dentro da casa dos dois dígitos. Pelo final de 2001, era politicamente impossível para o governo argentino concordar com mais austeridade. Como resultado, rompeu o laço supostamente indissolúvel entre a sua moeda e o dólar e deixou de pagar a sua dívida.
O efeito imediato foi o de piorar a economia, mas no segundo semestre de 2002, a economia voltou a crescer. Este foi o início de cinco anos e meio de crescimento sólido, até que a crise económica mundial finalmente teve os seus efeitos em 2009.
O FMI, entretanto, fez tudo o que podia para sabotar a Argentina, que ficou conhecida como a “palavra A”. Até usou projecções falsas que consistentemente subestimavam o crescimento da Argentina na esperança de minar a confiança.
Irlanda devia estudar as lições da Argentina. A separação do euro teria consequências, mas está a tornar-se cada vez mais provável que a dor da ruptura é menor do que a dor de permanecer nele. Além disso, o simples facto de levantar a questão é susceptível de contribuir para que o BCE e o FMI tomem uma posição mais moderada.
O que o povo da Irlanda e cada país deve compreender é que se concordarem em jogar pelas regras dos banqueiros, irão perder.
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