sábado, 31 de outubro de 2009

A Democracia ultrajada ou ainda há Juizes no Rio Grande?



Por Adão Paiani,

Conhecida nos meios jurídicos, a lenda do moleiro de Sans-soussi, diz que, em meados do século XVIII, o rei prussiano Frederico II, descontente com a existência de um velho moinho que comprometia a visão da bela paisagem que cercava um de seus palácios, decidiu mandar derruba-lo. O dono do moinho, homem humilde, não cedeu à pressão do rei e impediu que isso acontecesse. Inconformado, o soberano confrontou o homem dizendo que ele era o rei, que poderia prendê-lo ou confiscar sua propriedade, ou as duas coisas, ou pior, se quisesse, não fosse obedecida sua ordem; ao que o cidadão respondeu, com a confiança das almas simples: “ainda há juizes em Berlim”. Não sabia, naquele momento, se poderia ganhar a causa, mas na sua simplicidade, acreditava na justiça.

A nota da Federação Anarquista do Rio Grande do Sul denunciando ter a polícia civil gaúcha ingressado na sede da Entidade, em Porto Alegre, e em um segundo endereço desta; na região metropolitana, na tarde de quinta-feira (29); e lá aprendido material de divulgação política, com denúncias de corrupção no Governo Estadual; poderia ser mais um de tantos episódios vergonhosos que temos assistido nos últimos tempos. Mas é pior que isso.

Não se trata de identificação com o ideário anarquista, embora sua longa tradição histórica de lutas libertárias mereça nosso respeito. Voltaire teria dito “não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o ultimo instante seu direito de dizê-la”. Não pode pensar diferente quem acredita na democracia.

Trata-se de defendermos nossa frágil ordem democrática, recém saída de nosso último período ditatorial; afinal um quarto de século na história é nada; ante tamanha barbaridade cometida em cumprimento a um mandado judicial; e acreditamos que tenha havido tal mandado, pois é difícil crer que a sensação de impunidade de um grupo político e seus sicários tenha chegado a tal ponto que, em uma situação dessas, tenha agido manu militari, ao total arrepio da lei; mas isso dá ainda maior gravidade ao fato. Eles tinham mandado!

E tendo esse mandado judicial sido dado no âmbito de uma ação movida pela Governadora do Estado contra a Entidade, por injúria, calúnia e difamação; prestou-se ele a apreender, além do material que, teoricamente, teria a ver com a postulação da litigante; outros de divulgação política, livros e documentos diversos, alheios ao objeto da ação; tendo ainda resultado na condução de integrantes da Federação a prestar depoimento na 17ª. Delegacia de Polícia. Em que ano estamos mesmo? Só faltou atirarem a papelada pelas janelas e queimarem no meio da rua. Já vimos isso em algum lugar.

A propósito, a citada distrital ficou conhecida por acumular milhares de inquéritos policiais; muitos deles há mais de uma década, sem solução, em razão da sua precariedade estrutural. Mas já devem ter sido todos concluídos, sobrando tempo para ser uma nova especializada, atuando contra quem se insurge contra o atual governo.

Mesmo não conhecendo o processo, fica difícil entender o que leva um Juiz, em plena vigência de um Estado Democrático de Direito, determinar medida dessa natureza. E quando sob uma das partes pesam graves e devastadoras denúncias ainda não esclarecidas.

Prendam a vítima e soltem o meliante.

Uma decisão dessas soa como total inversão de valores, e não ajuda ao cidadão acreditar na seriedade e efetividade da justiça. Espera-se que o livre convencimento do Juiz tenha mínima coerência com a realidade dos fatos. E a realidade que ninguém mais ignora é o papel desempenhado pela atual mandatária e da societas delinquentium naquilo que se transformou o Estado.

Nessa altura do campeonato qualquer decisão envolvendo esses fatos precisa observar um mínimo de prudência para que, na intenção legítima de se salvaguardar um direito, não se acabe dando salvo-conduto para quem ainda nem começou a acertar suas contas com a lei e com a sociedade.

Todos são atingidos por uma decisão dessas; inacreditavelmente editada em um Estado democrático; mesmo amparada legalmente. Agora foram os anarquistas, amanhã serão os comunistas; depois os trabalhistas, socialistas, liberais, dirigentes sindicais.

E, nessa toada, logo lhes farão companhia procuradores federais, promotores de justiça, advogados, juizes, delegados. E quem ouse desafiar e apontar os crimes de quem talvez creia ser uma nova versão de Frederico II. Com castelo e tudo.

Se cada vez menos temos a convicção do moleiro de Sans-soussi, mais importante se torna não nos calarmos frente a esse tipo de atrocidade cívica. Antes que tenhamos a voz arrancada da garganta e a democracia pisoteada e ultrajada, bem em nossa frente.

Com mandado judicial.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ministério da Justiça abre discussão para definir regulação da internet


As discussões para a criação de um marco regulatório civil para o uso da internet no Brasil foram abertas hoje (29) pelo Ministério da Justiça. O marco será criado por meio de projeto de lei, cujo texto será elaborado a partir de sugestões da população. As discussões serão feitas pelo site www.culturadigital.br/marcocivil.

Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, o marco se restringirá a tratar das responsabilidades de provedores e usuários, para regulamentar direitos fundamentais como a privacidade e a liberdade de expressão, sem entrar nas áreas dos crimes cibernéticos, direitos autorais ou da regulamentação de telecomunicações.

Abramovay disse que hoje não há regras para a relação entre pessoas e provedores na internet. Como exemplo, citou o caso de uma artista que percebeu que sua privacidade estava sendo afetada por um vídeo no site do YouTube e, por isso, a Justiça determinou que a página com o vídeo fosse retirada. Segundo ele, caso houvesse um marco regulatório, talvez não fosse necessário retirar a página, mas apenas o vídeo em que a artista aparecia.

O secretário afirmou ainda que hoje as decisões judiciais sobre os casos de desrespeito à privacidade ou à liberdade de expressão não têm uma lei para seguir e, portanto, cada juiz decide de forma aleatória. “O marco dá um norte para a Justiça, para que as decisões possam ser parecidas. E tanto o usuário, quanto o provedor e aquele que vai investir na internet vai conhecer o terreno que está pisando”, disse.

Segundo Abramovay, as pessoas poderão dar sugestões ao projeto de lei pelos próximos 45 dias. Em seguida, a partir das sugestões, será elaborado o texto de um anteprojeto e divulgado pela internet para discussões, por mais 45 dias. A expectativa é de que o projeto de lei comece a tramitar no Congresso Nacional já no primeiro semestre do ano que vem.

Matéria de Vitor Abdala pescada da Agência Brasil

Essa é uma discussão importante e inevitável. Não podemos negar que é necessário definir um marco regulatório para internet. Um regramento legal garanta segurança, liberdade de expressão e democracia no uso da rede. Contudo, dado a visível contrariedade das forças conservadoras com as mudanças em curso, a sociedade precisa acompanhar e fiscalizar de perto essa iniciativa para evitar retrocessos.

ONU condena novamente o embargo dos EUA à Cuba



A Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou na última quarta-feira (28), pela 18º ano consecutivo, resolução para que os Estados Unidos suspendam o embargo econômico que mantém contra Cuba há 47 anos. A resolução foi aprovada por 187 votos, com apenas 3 contra e duas abstenções. Somente os EUA, Israel e Palau votaram contra o fim do embargo. Israel, a propósito, afirmou mais uma vez sua política internacional de total desrespeito aos direitos humanos, soberania e autodeterminação dos povos.

No ano passado, o embargo norte-americano foi condenado por 184 votos a quatro, com uma abstenção.

Após a deliberação da ONU, o ministro do exterior cubano, Felipe Pérez Roque, cobrou enfaticamente do presidente estadunidense, Barack Obama o fim do embargo, uma política confirmadamente fracassada. Barack Obama renovou, em setembro, o embargo à Cuba por mais um ano.

Novamente, a posição arrogante e imperial do governo estadunidense, que desrespeita abertamente as instituições e o direito internacional, não gera nenhuma comoção, indignação ou arroubos moralistas dos nossos comentaristas midiáticos de plantão. É a velha e conhecida indignação seletiva e dupla moral que se baseia apenas nos seus próprios intesses e posições ideológicas, sem nenhum princípio ou valor mais elevado.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Shoá e resistência


Por Adão Paiani,

Shoá, ou Shoa, é uma palavra iídiche que significa, literalmente, calamidade. Vem sendo cada vez mais utilizada como sinônimo de holocausto, uma vez que essa última terminologia, teologicamente, nos remete aos sacrifícios bíblicos feitos pelos antigos judeus a Deus e, evidentemente, por essa perspectiva, não é a mais adequada para descrever o regime e genocídio que vitimou, além dos judeus, também milhões de outras pessoas que de alguma forma significassem risco ao nazismo e seu projeto de sociedade.

No ano em que se recorda o início da segunda guerra mundial é oportuno analisar e tirar lições dos fatos que levaram ao surgimento e consolidação nazista dentro de um Estado democrático; e como tudo poderia ter sido evitado se, no momento certo, a ascensão de Hitler, seus asseclas e seus métodos de manipulação midiática da sociedade germânica houvessem encontrado resistência dentro da própria nação alemã.

Tivesse sido a Shoá combatida desde o início, por uma resistência legítima, se teria evitado que a serpente gerada pelo ovo da maldade, da mentira e da insanidade crescesse e devorasse a todos em sua volta. A falta de coragem para agir, ante um falso dilema de se garantir a governabilidade de um Estado frente a problemas históricos, fortaleceu, legitimou e liberou um regime sórdido e seus agentes que, na visão de Eli Wiesel, eram a maldade em seu estado mais puro.

Manipuladores de mentes, almas, corações, consciências; os nazistas, tendo Joseph Goebbels como um poderoso ministro da propaganda, aproveitaram-se da fragilidade moral do povo alemão, abatidos pela derrota de 1918 e pela tragédia econômica que se seguiu, para impor seu projeto totalitário, beneficiados em seu início pela apatia cúmplice de toda uma sociedade.

A leitura dos exemplos históricos, por distantes que estejam de nossa realidade, é importante para que se entenda o quanto a reação dos cidadãos à uma determinada situação, e não o seu silêncio, é que determina seu destino. As experiências acumuladas pela história humana não se perdem, e podem ser aproveitadas em diferentes situações; não necessariamente análogas; e latitudes.

A resistência de um povo à prepotência, à arrogância, aos abusos, à mentira e aos desmandos de um governo; mesmo aquele democraticamente eleito; e a todo o establishment que o mantêm; mais do que um direito, é um dever para com as gerações futuras e garantia de sua sobrevivência.

O sufrágio dos cidadãos não deve ser carta branca para um grupo que recebe a delegação do poder originário, fazer o que bem entende. Obviamente que, dado o grau maior ou menor de amadurecimento de uma democracia e qualificação ética dos quadros políticos que esse grupo venha a trazer para dentro da máquina pública, isso pode acontecer. O que diferencia é como o povo reage a esse aparelhamento, quando esse grupo deixa de agir como quadro partidário, dentro de um jogo democrático, e passa a agir como quadrilha ou bando.

O estabelecimento de limites se dá, primeiro, pelos órgãos e mecanismos que o próprio Estado dispõe para exercer internamente um papel controlador e fiscalizatório. Quando esses se mostram ineficientes, ou mesmo comprometidos com o oposto que se espera deles; imagina-se que o socorro venha do sistema de pesos e contrapesos que os poderes exercem entre si.

Mas quando tudo isso falha, dado ao grau de organização empresarial para rapinar a coisa pública, o pára-quedas que resta é justamente aquele em que os cidadãos organizados tomam a si essa responsabilidade. É a resistência moral de uma sociedade organizada.

Mas para isso é necessário superar a ignorância e a apatia; e atuar e se fazer ouvir, principalmente quando aqueles a quem foi entregue o papel representativo e fiscalizatório se negam a fazê-lo. E isso só se consegue despertando do torpor, jogando de lado a preguiça e cumprindo com o papel, este sim, indelegável, que um povo tem de escrever o próprio destino.

A maior ameaça à democracia é o desleixo cívico e moral que faz aceitar, sem resistência, a imposição de valores deturpados por uma mídia comprometida com o assalto às estruturas estatais. É quando essa tenta impor que mentira é verdade, promiscuidade é pureza, corrupção é ética; e que deixar de questionar uma gestão pública é garantia de governabilidade, indispensável à estabilidade política de um Estado. O verdadeiro perigo é justamente, a manutenção de um status quo criminoso e corrompido. E é aí que, ao mesmo tempo em que tudo difere, muito pode aproximar períodos históricos e realidades diferentes.

Nossa shoá, nossa calamidade, hoje, é o assalto cotidiano que se presencia às estruturas públicas; e ainda a blindagem midiática desavergonhada a grupos políticos e econômicos que agem como verdadeiras aves de rapina sobre o patrimônio de todos.

A nossa resistência é o dever moral de se levantar contra tudo isso, pela reação e mobilização popular. Assistir a tudo passivamente é colaborar para o esgaçamento moral do tecido social e abrir caminho para qualquer coisa que possa vir depois disso. O silêncio é omissão. A omissão é cumplicidade. E a cumplicidade embala e choca o ovo da serpente.

Há que se reagir. Enquanto ainda há tempo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Recursos minerais ainda são explorados com lógica do século passado



Por mais incrível que pareça, em pleno século XXI, os recursos naturais do subsolo brasileiro continuam a ser explorados com pouco ou nenhum controle. Justamente numa atividade com alto impacto socio-ambiental, previlegia-se o interesse individual dos mineradores em detrimento da sociedade. Tudo sem qualquer planejamento estratégico para o desenvolvimento de cadeias produtivas a partir das riquezas minerais. Uma política setorial que se manteve impregnada por uma lógica extrativista e colonial.

Caso sirva de consolo, apenas agora, o governo Lula propõe um projeto para reformulação do setor.

Segundo matéria publicada pelo Valor Online, o governo federal vai apertar a fiscalização nas concessões para a mineração e tentar evitar o que chama de procedimentos especulativos improdutivos. Esse é um dos pontos importantes do novo código de mineração, que modernizará normais legais que vigoram, com adaptações, desde 1934. É o próximo grande projeto de reformulação de marco regulatório em estudo depois do da exploração do petróleo do pré-sal. Por enquanto o governo quer deixar a discussão sobre royalties para depois, possivelmente para quando os projetos forem enviados ao Congresso, como ocorreu com o pré-sal.

Para as autorizações de pesquisa, o projeto do governo, que está em discussão com as empresas privadas, estabelece prazo de um ano, com prorrogações por no máximo cinco anos. Haverá previsão de investimentos mínimos, com obrigatoriedade de apresentação de relatório à Agência Nacional de Mineração, que será criada para regular o setor. A empresa terá prazo de um ano para requerer a lavra após a aprovação desse relatório. Há investimentos já anunciados de US$ 47 bilhões até 2013 no setor.

Hoje, já existem regras prevendo a a caducidade de outorgas, se as empresas interromperem atividades exploratórias. "Mas a lei é muito benevolente e burocrática demais", diz Miguel Antonio Cedraz Nery, diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), responsável pelas outorgas e fiscalização.

O novo marco não deverá alterar os atuais direitos de lavra das mineradoras, mas os concessionários deverão comprovar efetiva atividade no prazo de um ano, para evitar cancelamento do título. Todos deverão apresentar a reavaliação das reservas e novo plano de aproveitamento econômico sustentável em até dois anos. As cessões ou transferências de direitos deverão ser previamente aprovadas e poderão ser recusadas, se resultarem em prejuízo ao interesse público, por exemplo, por concentração econômica.

Após apresentar o modelo a entidades e empresas do setor, o Ministério das Minas e Energia espera comentários e sugestões ao novo marco até o fim de novembro. Depois, serão feitas eventuais alterações e ele será enviado ao Congresso.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Novo programa de redução de velocidade nas rodovias gaúchas




O governo tucano parece ter lançado um novo programa para reduzir a velocidade dos veículos nas rodovias gaúchas. Essa nova produção do "choque de gestão" da governadora YEDA prescinde de investimentos em conservação e equipamentos para controle e fiscalização nas estradas. Muito menos necessita das caras campanhas publicitárias de educação para o trânsito, tão ao gosto da mídia corporativa regional.

Bastou abandonar as rodovias e deixar os buracos fazer o restante. Já está praticamente impossível ultrapassar o limite de velocidade em muitas estradas do Estado em razão do péssimo estado da malha rodoviária gaúcha.

Mais uma façanha que o novo "jeito de governar" tucano deixará de herança para o próximo governo. Uma herança que, além de cobrar um pesado preço sobre nossa economia, é responsável pela perda de muitas vidas em acidentes.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Saudades do neoliberalismo II


A página virtual do Estado de São Paulo publicou reportagem que trata da participação do Estado nas grandes empresas brasileiras. A matéria logo foi utilizada de insumo para diversos editoriais, comentários e conjecturas de outros veículos da nossa mídia corporativa. Militante saudosa do projeto neoliberal, a mídia ologopolista imediatamente associou o assunto a manchetes do estilo "retrocesso estatizante", "viés estatizante" e outros que sugerem uma ameaça ao capitalismo.

Ignoram, propositalmente, que o Estado é e foi fundamental na indução do desenvolvimento econômico capitalista em todas as grandes economias do mundo. E essa é, portanto, uma questão essencialmente capitalista. Apesar disso, procuram vender a idéia que esse é um debate de entre socialismo versus capitalismo. Nada mais falso.

Poderíamos perguntar: qual dentre as principais economias do mundo tem um Estado fraco que não planeja e intervém na economia? Os Estados Unidos que recentemente estatizou a GM e possui gastos militares gigantescos com objetivo, dentre outros é claro, de promover sua economia? A Europa? A China? Certamente não. Somente há estados fracos em países do terceiro mundo, com baixissímo desenvolvimento econômico e social.

Essa manobra procura esconder o verdadeiro debate. Um debate entre projetos que, de forma alguma, ultrapassam o sistema capitalista de produção. O debate entre os que acreditam no potencial da economia brasileira e os que defendem uma inserção subordinada na economia internacional. Um debate entre os que acreditam na necessidade de um projeto industrial de desenvolvimento e os que defendem a suposta vocação primário-exportadora do Brasil.

Quando o desejo supera a realidade



Somente na última semana a governadora tucana fez dois anúncios, no mínimo, inusitados para o programa político defendido pelo seu partido (PSDB):  tornar os serviços do DETRAN públicos novamente e a criação de uma empresa estatal para expandir a malha ferroviária no Estado (leia aqui). A privatização do DETRAN,  promovida pelas mesmas forças políticas que apoiam a governadora, resultou em enormes prejuízos financeiros para população, desmoralizando totalmente o modelo anterior (leia aqui).

Novamente, essas contradições não interessaram a nossa mídia corporativa regional. Não houve comentários ou reflexões a respeito. Muito pelo contrário, na edição dominical do principal jornal do grupo RBS, YEDA aparece em imagem laboral com o simpático título "A tática do conflito zero". Isso tudo, apesar de até aqui ter muito poucas obras a apresentar e ter um governo marcado por conflitos principalmente com seus colaboradores e aliados (vide Feijó).

Quando o desejo supera a realidade, a coerência é apenas um detalhe incômodo.

domingo, 25 de outubro de 2009

ALBA: Avança a proposta de integração dos povos na América Latina


Uma integração solidária em contraponto a lógica destrutiva do Capital


Foi realizada entre os dias 15 e 17/10, em Cochabamba na Bolívia, a VII Cúpula da ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas). A ALBA surgiu sob iniciativa de Cuba e Venezuela como uma alternativa de integração aos processos então debatidos na América Latina, principalmente a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).

O pressuposto fundamental da ALBA é a mudança no sentido dos processos de integração da região, do livre comércio ou demais formas tradicionais de integração econômica unicamente competitiva (Mercado Comum, União Aduaneira, União Monetária e União Econômica), para um que, não descartando totalmente a questão comercial, avance principalmente no sentido da cooperação, solidariedade e complementação econômica e social entre os países signatários. Um processo que beneficie os povos da região, que respeite sobremaneira as desigualdades entre seus membros, e que busque superá-las com ajuda direta e cooperação entre todos. Para isso deu-se o nome de Tratado de Comércio dos Povos, em contraposição aos TLC´s, Tratados de Livre Comércio. Muitas iniciativas caminharam na direção do sentido proposto, principalmente a que diz respeito à questão energética (PETROCARIBE).

Durante a reunião diversas questões foram tratadas, destacando-se o fortalecimento da participação dos Movimentos Sociais na estrutura da ALBA, assim como as negociações para a criação de uma moeda comum para a região, o SUCRE, entre tantas outras de grande impacto social para a população dos países envolvidos. Também foi reafirmado o apoio ao governo deposto em Honduras, ao fim do embargo dos EUA à Cuba, e o perigo que representam para a paz na região as bases dos EUA instaladas na Colômbia.

Atualmente participam da ALBA Antígua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Equador, Honduras, Nicarágua, República Dominicana , São Vicente e Granadinas e Venezuela, além de outros países que apenas firmaram acordos pontuais, como por exemplo o Haiti e a Argentina.

Leia abaixo as resoluções finais do encontro:

http://www.alternativabolivariana.org/images/declaracionVIIcumbrealba-tcp.pdf

Dica de Cinema: Raul Sendic

No domingo em que ocorre as eleições presidenciais uruguaias, liderada pelo tupamaro José Mujica, nossa dica de cinema é o documentário sobre o líder tupamaro Raul Sendic. Assista abaixo a 1ª parte.



2ª Parte
3ª Parte
4ª Parte
5ª Parte
6ª Parte
7ª Parte
8ª Parte
9ª Parte
10 Parte
Parte Final

sábado, 24 de outubro de 2009

Saudades do neoliberalismo


Hoje, o principal jornal do grupo RBS nos brindou com mais um editorial saudosista do projeto neoliberal. O sucessivos escândalos envolvendo o DETRAN gaúcho, obrigaram o Grupo RBS a reconhecer que a privatização do DETRAN, ocorrida no governo Britto com o seu explícito apoio,  gerou enormes prejuízos à sociedade, com desvios que podem chegar a R$ 30 milhões ano. Uma verdadeira fortuna que saiu do bolso de todos os gaúchos. Importante registrar que a privatização dos serviços do DETRAN foi adotada apenas no RS e em um outro estado da federação.

Mas o editorial não faz autocrítica nem dá seu projeto político por derrotado. Afirma categoricamente que "a situação somente chegou a esse ponto, porém, não pelo fracasso do modelo de terceirização, mas pela incapacidade ou falta de vontade do poder público de enquadrar os prestadores de serviço dentro de parâmetros razoáveis de preço e de seriedade no uso dos recursos oficiais". Faltou indicar em qual setor esse modelo deu bons resultados, citar um único exemplo. Realmente, é forçoso reconhecer, seria uma tarefa díficil. Todas as experiências tentadas geraram tarifas excessivas, serviços ineficientes, corrupção na relação entre o poder público e o privado, abusos e falta de regulação (vide concessionárias de rodovias).

Apesar disso, a conclui o grupo RBS que "infelizmente, o serviço público tem se caracterizado pela ineficiência. O caminho ideal, para conjugar moralidade e eficiência, certamente não é o Estado. É, sim, uma parceria responsável, adequadamente fiscalizada, com prestação de contas à sociedade de forma permanente".

O grupo RBS parece não ter ou não querer tirar lições dos acontecimentos dos últimos anos, preferindo adotar a velha cantilena do Privado X Estatal que marcou os tempos da guerra fria. Um pensamento arcaico, que não se modernizou e, certamente, cobrará um preço caro desse grupo de comunicação.

Meios de comunicação contra democratização dos meios de comunicação


Por Milton Temer

Na contramão das potências capitalistas ocidentais, governos latino-americanos, os bolivarianos particularmente, estão dando exemplo numa batalha essencial dos tempos sombrios a que estamos condicionados. Insurgem-se contra o estabelecimento da barbárie cultural que vem ameaçando seus povos por conta da crescente concentração de poder, político e econômico, em mãos dos grandes meios de informação privados. Ousam propor, e aprovar, legislações que estabelecem controles democráticos sobre esses meios, e as executam.

Em função de tal "heresia", tornam-se alvo de ataques incessantes e crescentes dos tentáculos da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), essa Internacional orgânica que acumplicia os controladores dessas corporações mediáticas aos setores mais reacionários dos diversos países do continente. São tratados como protoditatoriais, e outros epítetos do gênero. Alvos, enfim, de belicosidade, sequer original, pois que vem de longe.

Já na Revolução Francesa do fim do século XVIII, Robespierre, numa de suas monumentais disputas retóricas na tribuna da Convenção, era peremptório na definição do poder dos formadores de opinião. "Os jornalistas têm nas mãos o destino dos povos. (...) Assim como os príncipes calculam suas forças pela quantidade de seus soldados e pelos recursos de suas finanças, os chefes de facções rivais entre nós calculam as deles pelo número de cronistas que podem patrocinar", afirmava ele, e dava exemplo prático, a partir do seu embate com La Fayette. O "herói de dois mundos", então passado para o campo da burguesia, obtivera, através do controle sobre jornalistas influentes, "mais conquistas, no espaço de alguns meses, do que poderia ter alcançado na Revolução, durante meio século, à frente de um Exército". A quem interessar, este trecho é extraído de obra importantíssima, editada pela Contraponto: "Discursos e Relatórios na Convenção".

Mas retornando ao grão. Se já era assim quando a mídia se restringia a quase panfletos mal impressos, distribuídos entre populações com altíssimo nível de analfabetismo, não é difícil imaginar por que, com o avanço tecnológico gigantesco, o terreno se transformou numa arena quase principal do confronto entre o mundo do trabalho e as classes dominantes, nos dias atuais. Cabendo aos governos, por via de conseqüência, se definir por campo exatamente a partir da posição que tomam em relação ao conceito de "liberdade de expressão".

Se ousarem considerar que é um direito social, estarão entrando em choque com o grande capital, onde o conceito é avaliado pela maior ou menor capacidade de transformar notícia e informação, para além de ferramenta de poder, em produto, valor de troca; em mercadoria geradora de lucro, no mais das vezes pantagruélicos.

O caso mais recente é o que concerne à divulgação da nova lei do audiovisual na Argentina. A ler a correspondente do Globo, em Buenos Aires, com matérias valorizadas nas manchetes de página, a reforma estaria sendo enfiada goela abaixo do Congresso e da população por um poderoso governo, controlado por um inqüestionável Executivo. Longe de nós entrar nas querelas e seqüelas das lutas internas entre os herdeiros do peronismo. Mas é impossível não repelir a desonestidade editorial, e a cumplicidade aí constatável do quadro assalariado de editores e redatores, que não se peja de fazer o jogo sujo dos interesses empresariais e ideológicos do grande patronato.

Pois se há algo facilmente verificável, é que poder, na realidade argentina atual, tem a própria idéia de quebra do monopólio privado sobre os meios de comunicação, e não a presidência de Cristina Kishner.

Seu grupo político foi batido em recentes eleições legislativas. Resultado previsível para governos que se pretendem populares e democráticos, mas não vão ao grão das questões essenciais.

Por que, então, vem obtendo êxito retumbante na aprovação de uma legislação que estabelece limites concretos ao monopólio do Clarin (grupo que corresponde, na Argentina, aos privilégios e exclusividades que as organizações Globo têm no Brasil)?

Porque, por conta de confronto de interesses diretos, colocou a seu lado amplos setores da sociedade civil organizada, através de um projeto que transfere para empresas de menor expressão econômica, ou para organizações não-lucrativas da sociedade civil, concessões até então abocanhadas quase monopolisticamente pelo grupo. Fato gerador de base parlamentar favorável, pois congressista burguês é capaz de tudo, menos de pôr em risco o seu mandato.

Entre os efeitos já percebidos pela população há um elucidativo: o da transmissão do futebol. Pela lei, não pode mais ser exclusividade do grupo Clarin. Passa a ser transmitido de forma mais ampla; por todas as TVs abertas, inclusive as públicas. Quanto aos clubes, tiveram sua participação na distribuição de recursos da venda significativamente ampliada. Passam a receber muito mais do que lhes tocava na venda ao grupo monopolista. Ou seja, e para citar o quadro brasileiro: fim à subordinação do horário dos jogos ao horário das novelas.

Mais ainda; estabelece-se limites de extensão de rede, e de tempo de concessão. Ninguém poderá controlar mídias distintas sobre um mesmo território. A concessão será reavaliada a cada 10 anos. Podendo, ou não, ser renovada desde que atendidas, ou não, preceitos mínimos de respeito à cidadania e ao ser direito concreto de ter acesso à informação. Para tanto, evidentemente, instrumentos de controle serão implementados.

Nada de novidade, tudo previsto em amplos debates que, na discussão do processo constitucional de 88, os segmentos brasileiros voltados para a democratização dos meios de comunicação. Mostrando que, no Brasil, se a idéia pega, se o governo Lula tivesse um mínimo de autonomia e coragem, a Globo tem muito com que se preocupar.

O que preciso ser esclarecido de forma incisiva é a necessidade de definir legitimamente o conceito de liberdade de expressão, ponto fundamental na construção de uma sociedade justa e libertária. Conceito que não tem nada a ver com a forma como é utilizado pela SIP e seus tentáculos nos diversos países. Não se trata, para ser preciso, de defender direitos empresariais sobre a concessão pública de rádio e televisão (as emissoras são simples produtoras que têm concessão sobre canais de transmissão que não lhes pertence, mas sim à sociedade como um todo).

Para receber tal concessão, que tem tempo definido, essas concessionárias se obrigam a deveres que não cumprem. Basta, aliás, consultar o capítulo de Comunicação Social de nossa Constituinte, para ver a imensa quantidade de exigências constantemente atropeladas por esses concessionários aqui no Brasil.

Quando a Globo esperneia, sabe por que o faz. Quando ataca Chavez ou Rafael Correa por não terem renovado concessões de canais que substituem partidos políticos onde a direita não consegue organizá-los, conscientemente atropela a realidade dos fatos. Omite o que esses canais são capazes de produzir para desestabilizar a ordem institucional vigente - e quem fizer um balanço honesto do papel das emissoras de tv venezuelanas no fracassado golpe contra Chavez terá infindáveis argumentos comprobatórios.

Cabe, portanto, aos que lutam pela democratização dos meios de comunicação no Brasil, ampliarem seu espectro de reivindicações para além da defesa das emissoras comunitárias. Cabe retomar os tempos em que o povo, na rua, afirmava não ser bobo, e rejeitava a rede Globo. Exigir desse governo que se diz democrático e popular a abertura de debate semelhante ao que ocorre entre nossos vizinhos continentais. Cenário realmente difícil de imaginar, quando lembramos que, distintamente do moderado Tancredo Neves - cuja primeira coletiva de imprensa foi dada no Congresso Nacional, onde afirmou não se propor a "pagar a dívida externa com o sangue do povo brasileiro" - , Lula deu a sua sentadinho no banco de ouvinte do Jornal Nacional, dirigido pelo casal apresentador e respeitando os intervalos comerciais.

Milton Temer é jornalista e presidente da Fundação Lauro Campos. Pescado da página da Fundação Lauro Campos.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Reeleição de Yeda




Estou sinceramente na torcida para que a governadora Yeda concorra a reeleição. Desejo que a governadora faça essa "loucura", tenha coragem de cumprir a sua palavra contra tudo e todos. Inclusive, ao que parece ao desejo e movimentos do presidenciável tucano, José Serra.

Não se pode negar à YEDA a oportunidade de defender o seu governo, debater  as consequências do "choque da sua gestão" no Estado, esclarecer os detalhes de "como arrumou a casa", explicar como pretende recuperar o estado caótico da malha rodoviária e reverter o sucateamento da saúde, educação e segurança agravados pela sua política de "déficit zero". Será excelente para democracia que a população possa julgar o governo Yeda sem as amarras e limites processuais do direito brasileiro.

Uma pena que a maioria dos partidos que construiram e deram sustentação ao governo tucano já tenham anunciado que abandonarão YEDA. Demonstram um indisfarcável desejo de manter a máxima distância da candidatura governista. Altruístas e modestos, parecem não querer colher "os louros" do trabalho desenvolvido junto ao governo YEDA. Mas, o gaúcho é um povo generoso e saberá identificar os responsáveis por tantas "façanhas".

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Frente Ampla é favorita nas eleições uruguaias



O uruguai realizará no próximo domingo eleições presidenciais. O candidato da Frente Ampla, o ex-líder tupamaro José Mujica, é franco favorito nas pesquisas eleitorais. A dúvida presente no pleito uruguaio é se haverá ou não segundo turno entre Mujica e o candidato direitista Luis Alberto Lacalle, do Partido Nacional ou Branco.

As pesquisas indicam que o candidato da Frente Ampla teria aproximadamente 45% dos votos e Lacalle estaria entre 25 e 30%. Caso nenhum candidato alcance maioria absoluta, o segundo turno das eleições será realizado dia 29 de novembro próximo. O interessante é que as pesquisas tem apontado continuo crescimento da Frente Ampla e descenso do Partido Nacional, reforçando a possibilidade das eleições serem definidas ainda no primeiro turno.

A Frente Ampla se beneficia da popularidade do governo Tabaré Váquez que, assim como Lula no Brasil, atingiu níveis recordes de aprovação popular.

Os propagandistas


Por Luiz Carlos Azenha - pescado do blog vi o mundo


Lendo um bom texto do Luís Nassif sobre a relação de José Serra com a mídia partidarizada, em que ele trata do punhado de neocons brasileiros que "formula" as políticas da oposição, acrescento um comentário que ouvi do Paulo Henrique Amorim.

Os parajornalistas que "formulam" a política da oposição são isso: parajornalistas. Como diz Paulo Henrique Amorim, eles seriam incapazes de fazer uma reportagem sobre um buraco de rua na esquina. E isso não é nada desprezível, por vários motivos. O exercício cotidiano do Jornalismo requer aprendizagem de técnicas de apuração, conhecimento histórico que permita contextualização e a aplicação de espírito crítico incompatíveis com a mídia corporativa de hoje.

As empresas de mídia deixaram de viver exclusivamente das notícias que produzem. Elas hoje têm interesses políticos e econômicos muito mais diversos e complexos que num passado recente. E, em nome de defender esses interesses, incentivaram uma mudança fundamental na formação dos jornalistas. Se um dia o "espírito público" era um traço fundamental dos jornalistas, agora a ênfase é na rigidez ideológica que atenda aos interesses da corporação.

Grosseiramente, o Jornalismo foi "privatizado". Colocado a serviço do mercado. Hoje os jornalistas são "funcionalistas". Outro dia assisti estupefato a um debate sobre transporte público em que não ocorreu a nenhum dos jornalistas-debatedores questionar o próprio modelo de transporte individual que entope as cidades de automóveis, nem falar das políticas de taxação progressiva que "punem" o transporte individual nos Estados Unidos e na Europa, nem sobre as políticas públicas que incentivam empresas a contratar empregados que morem perto das firmas. Todos os debatedores pareciam reféns do "Deus mercado". Nem parecia que o caos em alguns centros urbanos é resultado de uma escolha política.

Tudo isso ao mesmo tempo é resultado e explica a "limpeza ideológica" promovida nas redações brasileiras pelos neocons e seus vassalos em tempos recentes. Explica também os "cursos de monstrinhos" -- na definição do Leandro Fortes -- desenvolvidos pela TV Globo, Folha e Abril, nos quais as empresas "treinam" estudantes de Jornalismo de acordo com seu próprio "currículo".

É preciso "formar a tropa" desde cedo. O que se requer dela, acima de tudo, é "consistência ideológica" e espinha dorsal suficientemente flexível para se adequar aos interesses dos patrões. Os bons repórteres acabam se tornando inconvenientes. O curioso é que a prática dos neocons, como sempre, acaba colocando em risco um valor que eles dizem defender: a meritocracia. Como tudo o que envolve os neocons, eles defendem a meritocracia da boca para fora. Eles sabem que não chegaram lá em cima por mérito profissional ou por fidelidade canina à verdade factual. São propagandistas, embora se apresentem como jornalistas.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

CAMBADA


Por Adão Paiani

Dei-me ao trabalho de assistir alguns trechos da longa sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as denúncias de corrupção contra o Governo de Yeda Rorato Crusius, ocorrida nesta segunda-feira (19), e transmitida pela TV Assembléia. Sim, porque não sei se todos sabem, essa CPI foi criada para investigar a corrupção iniciada antes, mas mantida, aprimorada e defendida nesse governo, por uma quadrilha organizada para assaltar os cofres públicos, ao contrário do que parece acreditar a base de sustentação da nossa angelical Governadora na Assembléia Legislativa do Estado.

Só o que pude ver, foi o suficiente para considerar aquilo uma das coisas mais vergonhosas a que tive o desprazer de presenciar na minha vida. E olha que já vi coisa feia por aí. Se aquele festival de barbaridades fosse minimamente mostrado pela TV aberta, tenho a certeza de que causaria uma verdadeira comoção popular. É óbvio que justamente por isso tais coisas não são mostradas. Afinal, quase 200 milhões de verbas publicitárias distribuídas pelos diversos órgãos da administração pública estadual, apenas em 2008, beneficiando desde a grande mídia até aos pequenos jornalistas movidos a jabá, têm lá o seu poder de convencimento e de construção de pautas.

Aliás, na sexta-feira passada, foram trazidas a público as novas despesas feitas pela Governadora a bem da governabilidade do Estado; conjuntos de cama, mesa e banho, escolhidos com o apuro e bom gosto próprios de quem não paga a conta, e que superaram mais de trinta mil reais em 2008; e que hoje encontram-se em lugar incerto e não sabido, segundo declarou a nobre defesa de YRC. No sábado, matéria de importante revista de circulação nacional trouxe, mais uma vez, novidades sobre os processos que tramitam no STF, e que envolvem cada vez mais os amigos do peito da ilustre mandatária maior do Estado. Leva um pufe verde-kiwi e um jogo de toalhas frapé quem aparecer com uma capa de qualquer jornal da mídia guasca que tenha feito alguma referência a isso.

Mas voltando à sessão a que me referia; nós, gaúchos, até bem pouco tempo, com a humildade que nos caracteriza, nos referíamos a certas práticas políticas e posturas parlamentares como típicas dos sertões do Brasil; mais especificamente, da política nordestina. Tudo aquilo era muito distante da nossa tradição, do nosso elevado grau de politização, (etc., etc., etc.). Perdão, irmãos nordestinos, a gente não sabia o que dizia.

Ou uma parcela significativa dos nossos deputados aprendeu muito bem e agora executa com primor o que viu por outras plagas, ou a imagem que tínhamos de nós mesmos fazia parte de uma megalomania coletiva. Prefiro ficar com a primeira opção, que dói menos.

Os que tiveram a oportunidade, a paciência e o estômago de assistir ao filme por inteiro puderam presenciar um festival de vilanias, de torpezas, de safadezas e desfaçatez de corar frade de pedra; e de sair aos gritos chamando o bandido. Espero que pais zelosos tenham pelo menos tido o bom senso de tirar as crianças de perto. Chamar o “fala liderança”; bem capaz! Aquele Federal das empreiteiras, nem pensar. O ex-coordenador-arrecadador de campanha; sem chance. Presidente e vice do banco estatal gaudério; jamais, vai prejudicar a imagem da instituição. Suicídio numa hora dessas chega a ser uma obrigação.

A única coisa que ainda salva o que nos resta de vergonha na cara, é uma minoria valente, que quer realmente investigar e punir a quadrilha que tomou de assalto a máquina pública do Estado, e que continua a espoliá-lo, e ao seu povo, com a cumplicidade de uma base que não tem condições morais de ter assento em um parlamento com quase 175 anos de história. Mas essa mesma minoria está, ao menos por ora, submetida ao deboche e à absoluta falta de noção de uma pretensa maioria; que não se mostra digna sequer dos votos que recebeu em suas bases eleitorais, e menos ainda do Rio Grande; ao menos aquele do nosso imaginário coletivo.

Questões de ordem, inversões de pauta, procrastinações, tudo no limite da prevaricação; mas usados para tentar jogar para debaixo do tapete o assalto aos cofres públicos e, mais do que isso, a dignidade de todo um povo. Que triste momento para uma casa que já abrigou Bento Gonçalves, Silveira Martins, Getúlio Vargas, Leonel Brizola, Carlos Santos, Alberto Hoffmann. Sem me render a um saudosismo idealista, mas esses eram homens que souberam honrar o mandato que receberam, e por mais críticas que possa se fazer a eles, não podemos negar que eram, decididamente, de outra estirpe. Pelo menos atendiam por seus nomes próprios, e não por apelidos; que a essa altura do campeonato mais parecem alcunhas vulgares.

Mas por serem vinagre barato, e não vinho de boa cepa, nada interessa a alguns desses de hoje. O momento é o que importa. Os compromissos assumidos com a “liderança” de plantão. As trocas de favores, os cargos; uma verbinha aqui e acolá. E quando faltam os argumentos, o que dada à baixa qualificação intelectual de muitos, acontece com assustadora freqüência; o negócio é dizer que quer “investigar tudo”! Os corruptos de vocês são tão bons quanto os nossos! Não investiguem aqui que a gente puxa lá de trás! Como se a safadeza fosse melhor ou pior, ou exclusividade dessa ou daquela grei partidária ou cor ideológica. Esquecem que safado é safado, ladrão é ladrão; independente de onde se esconder. O que milhões de gaúchos a essa hora querem saber é onde foi parar nosso dinheiro; e que a corja responsável por isso seja punida. Simples assim.

Realmente; pra encerrar, só uma palavra me socorre nessa hora para qualificar os responsáveis pelo saque e aqueles que pela cumplicidade e/ou omissão, também o são pela impunidade; e digo sem medo:

Cambada!

Gaveteiro


Pescado do blog do Kayser.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Conferência Livre de Comunicação


Clique na imagem para ampliar e conferir a programação.

Pedágios um ótimo negócio para concessionárias um péssimo negócio para v



Segundo a AGERGS, atualmente, as praças de pedágio registram, em média, 100 mil veículos pagantes por dia e uma arrecadação anual de aproximadamente R$ 400 milhões. Certamente muito, mas muito mais do que o Estado do Rio Grande do Sul investe nas suas rodovias anualmente. Caso esses recursos fossem aplicados nas rodovias permitiriam ampliar a conservação da malha e os investimentos em pavimentação. Para isso, obviamente, o sistema não poderia ser pensado para garantir o lucro das concessionárias, como agora, mas para viabilizar a manutenção e ampliação da malha rodoviária do Estado.

No atual modelo o cidadão paga impostos para construção das rodovias, as mesmas que depois serão concedidas, paga os pedágios para rodar nas  mesmas rodovias e ainda é obrigado a suportar uma malha rodoviária que, no seu conjunto, está em péssimo estado por falta de investimentos. Se não bastasse, as concessionárias ainda querem cobrar dos cofres públicos mais R$ 1 bilhão de reais por um suposto desequilibrio econômico-financeiro.

Mas a perversidade desse modelo não é exclusividade do Rio Grande do Sul. No Estado de São Paulo, segundo reportagem da Revista Carta Capital (nº 562), as concessionárias de rodovias já faturaram fabulosos R$ 23,5 bilhões e tiveram lucros declarados superiores a R$ 3 bilhões. Lá, como aqui, as concessionárias também alegam prejuízos, embora nem pensem em abandonar a atividade.

As concessões de rodovias realizadas pelo governo federal já apresentam os mesmos problemas. Inicialmente comemoradas pela tarifas reduzidas, as concessionárias das rodovias federais já reivindicam correções nas tarifas também em razão de "desiquilibrios econômico-financeiros". Nada a estranhar  num modelo criado para gerar lucro e enriquecer poucos ao invés de visar a ampliação e conservação de nossa infraestrutura rodoviária.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A gestão de imagem do governo YEDA


A reportagem do Estadão fala ainda da gestão de imagem do governo YEDA, tratando de um tema debatido nas ruas e presente no inquérito do Ministério Público Federal (leia aqui e aqui), mas que dificilmente a sociedade verá tratado nas páginas do nosso oligopólio midiático regional. Fica visível o papel da mídia corporativa do estado e sua responsabilidade pelo estado das coisas na política gaúcha.

Assim como a origem dos seus patrocínios, esses jornalistas adoram se esconder sob o manto da imparcialidade e atacar, com rompante e argumentos moralistas, os políticos desalinhados com seu modus operandi. Geralmente, aqueles que se negam a pagar esse "jaba" com dinheiro público.

Segundo o Estadão:

Gestão de imagem

Uma das modalidades mais polêmicas dos gastos das estatais em publicidade é o patrocínio a jornalistas locais através de anúncios em sites e blogs para "melhorar a imagem do governo", como afirmam fontes ligadas a essas empresas.

De acordo com um publicitário gaúcho que prefere não se identificar, "a defesa que alguns destes jornalistas fazem da governadora chega a ser constrangedora".

Os gastos de publicidade do governo YEDA


O Estado de São Paulo noticiou na sua página virtual que o Tribunal de Contas do Estado apontou irregularidades nos gastos de publicidade do governo YEDA (PSDB). A reportagem explica, em grande parte, a conivência, o silêncio e a simpatia da mídia corporativa regional com o governo tucano.

Além disso, a cada dia fica mais clara a indisposição do governador José Serra (PSDB) em ocupar o palanque do seu partido no RS caso YEDA concorra a reeleição. Segundo a matéria:

TCE aponta irregularidades em gastos de publicidade de Yeda

Um parecer do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) sobre a prestação de contas de 2008 do governo Yeda Crusius apontou irregularidades nos gastos com publicidade, que atingiram a cifra de R$ 168,358 milhões. Entre os pontos criticados pelo órgão, está o constante aumento de participação de empresas estatais no total da verba.

O Ministério Público de Contas do RS - órgão vinculado ao TCE - considerou irregular a suplementação das despesas com publicidade das empresas estatais em 102,66%. Isso significa que dinheiro destinado para outras áreas foi usado para aumentar o orçamento da comunicação. Conforme a Constituição Estadual, é preciso que o governo tenha a autorização da Assembleia Legislativa para executar esse tipo de ação, o que não aconteceu.

Em 2004, a participação do governo (incluindo-se os poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Autarquias e Fundações), respondia por 51,76% do total contra os 48,24% das estatais. Já em 2008, a participação do governo foi reduzida para 32,65% e as empresas passaram a ser responsáveis por 67,35% do total dos gastos com propaganda.

A situação foi especialmente influenciada pelo incremento ocorrido nas cinco empresas estatais (Banrisul, CEEE, Corsan, Caixa Estadual - Agência de Fomento e Sulgás) que responderam pelos maiores gastos no exercício de 2008.

O orçamento de 2008, enviado pela governadora Yeda Crusius, tinha suas receitas previstas em R$ 21,3 bilhões - o que corresponde a 8,4% do valor investido em publicidade. Para o mesmo período, o governo de São Paulo consumiu R$ 96,8 bilhões - sendo que R$ 181,6 milhões foram gastos na área, o equivalente a 1,87%.

À época da aprovação do orçamento 2008, no fim de julho deste ano, O TCE era presidido por João Luiz Vargas, que renunciou ao cargo em setembro. Ele é um dos nove réus em ação de improbidade administrativa ajuizada por procuradores da República junto à 3ª Vara da Justiça Federal de Santa Maria e teve a quebra de sigilo fiscal e bancário autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STF). Na última quinta-feira, a 4.ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região (RS, SC, PR) excluiu a governadora do processo.

O procurador-geral do MPC-RS, Geraldo Da Camino, criticou a suplementação das despesas com publicidade e condenou a utilização das empresas estatais para a divulgação de ações do governo estadual. De acordo com seu parecer, "o contumaz descumprimento da prescrição constitucional e legal preocupa, ainda mais quando se constata que as chamadas estatais responderam por 67,35% (R$ 113,387 milhões) do total investido em gastos dessa natureza e porque custeiam amplamente ações institucionais do governo".

Leia a íntegra da reportagem aqui.

domingo, 18 de outubro de 2009

Simples constatação


O principal jornal do grupo RBS publica, neste domingo, matéria com o título "O brete gaúcho", sobre a queda da participação da economia gaúcha no PIB nacional. Trata-se da simples constatação do fracasso do modelo econômico defendido pelos representantes políticos do oligopólio midiático regional.

O modelo neoliberal, inaugurado no governo gaúcho por Antônio Britto (PMDB), retirou a capacidade de planejamento e indução da economia pelo Estado. Apostando todas as fichas na crença semi-religiosa da "mão invisível do mercado", em grandes investimentos estrangeiros (vide GM e papeleiras) e desdenhando das potencialidades da economia local, esse modelo levou o Rio Grande a estagnação que vive há mais de quatro anos.

Nesse aspecto, a responsabilidade não pode ser integralmente debitada na conta da atual governadora. Embora represente a continuidade desse modelo, Yeda apenas colhe os frutos do que tem sido plantado, em maior ou menor grau, em três dos últimos quatro governos do Estado. A maior responsabilidade é própria mídia corporativa regional que apoia e milita enfaticamente por esse projeto e por seus representantes políticos.

Os gaúchos estão pagando muito caro pela falta de pluralidade e contraditório nos meios de comunicação do Estado, que compromete nossa democracia e foi imprescindível para consolidação do radical modelo econômico neoliberal adotado no RS. Modelo que, em todos os lugares onde foi aplicado, levou a trágicas consequências sociais e econômicas (vide México, Argentina, Islândia...).

Infelizmente, não há nenhuma dose de autocrítica ou arrependimento. Muito pelo contrário, se quer mais do mesmo.

Dica de Cinema: Mera Coincidência



Nesse filme a ficção retratou perfeitamente a realidade. A história se passa há poucos dias da eleição presidencial dos EUA. O presidente dos EUA, candidato a reeleição, se envolve em um escândalo sexual, reforçando um quadro eleitoral desfavorável. Sua assessoria chama o Sr. Bean (Robert de Niro) para decidir o que fazer. Em reunião com Bean decidem criar uma crise internacional com objetivo de fazer os eleitores esquecerem os escândalos e voltarem a apoiar seu presidente.

Para isso, contratam um produtor de cinema (Dustin Hoffman) para criar um roteiro que passa pela invenção de uma guerra na Albânia e pela heróica intervenção da Casa Branca no conflito com fins humanitários. Tudo para desviar a atenção da sociedade e garantir a reeleição do presidente.

A história retrata magnificamente a capacidade influência, persuasão e manipulação da mídia sobre a sociedade, permitindo uma profunda reflexão sobre o tema.

Importante, registrar ainda que o filme foi realizado antes do escândalo que envolveu o presidente Bill Clinton com a estagiária Mônica Lewinski e, portanto, das consequências daí advindas.

sábado, 17 de outubro de 2009

Liturgia e “Chinelagem”

Por Adão Paiani

O termo “liturgia do cargo” foi cunhado para expressar o comportamento que se espera de ocupantes de altos postos, em especial na função pública, e assim como a ética, deveria ser um conceito natural, facilmente perceptível e de entendimento tranqüilo por quem recebe a missão de representar ou conduzir seus pares, os demais cidadãos. Mais do que o apego aos rapapés e mesuras, é a consciência do significado de se ocupar uma posição de destaque, de representatividade, de mando, de responsabilidade.

Mas assim como não tem a noção do conceito de ética, alguns desses afortunados detentores de posições relevantes na estrutura estatal, também são levados a ter uma visão toda particular do que seja a tal “liturgia do cargo”. Passam a entender esse conceito como as condições materiais que lhes são alcançadas pelo contribuinte (quem paga a conta, ou seja, nós) e colocadas à disposição para “fazerem bonito”. Recursos indispensáveis, todos nós sabemos, ao pleno exercício das atribuições inerentes a cargos de mando, como pufes verde-limão (ou kiwi, vá lá!), pisos emborrachados, hidromassagens e móveis infantis.

Já o coloquial termo “chinelagem”, como todo mundo sabe, denota um modo de se portar de quem não respeita a postura e a conduta minimamente exigível no convívio em sociedade. É a falta de classe; e aí nada a ver com estratificação social. Quem tem esse tipo de comportamento tanto pode morar debaixo de um viaduto, cercado de caixas de papelão, como em confortáveis residências de ruas aprazíveis e seguras, embora possam ser encontrados com assustadora e imperdoável freqüência no segundo caso.

Eu confesso que falar desse kinder ovo do terror que é o governo Yeda Rorato Crusius me causa um enfado medonho. Sinto-me o próprio articulista de um tema só. Mas por favor, acreditem, consigo falar de outras coisas também. Mas não tenho tido a oportunidade de fazer isso, pois a cada dia é uma nova surpresa desagradável. Só a indignação me faz superar o aborrecimento. E aí vamos nós de novo.

A última, pelo menos até o momento em que estou aqui lutando com o teclado, é a nova lista de compras da Senhora Governadora. Não sei se já foi superado por algum outro fato novo, para usar uma expressão muito em voga no espaço entre o Palácio Piratini e determinados gabinetes do Palácio Farroupilha. Sabe como é; esse é um governo dinâmico. Dentre os itens imprescindíveis à liturgia inerente ao cargo de mandatária maior do Estado estão artigos de luxo de cama, mesa e banho, adquiridos em uma loja conhecida pela sua sofisticação, e que totalizaram, apenas em uma operação, mais de três mil reais.

Ao todo, durante o ano de 2007, foram mais de trinta mil reais apenas nesses itens; tudo devidamente sem licitação, adquiridos com a já conhecida técnica de se fracionar as despesas, para fugir à Lei de Licitações. Como eles são espertos. E tudo sendo pago, obviamente, por todos nós; até por aquele que, debaixo da ponte, só consegue se cobrir com jornais já lidos; afinal é por esse tipo de coisa e de gente como essa é que ele, dentre outros motivos, continua lá.

E aí é que entra nesse caso a “chinelagem”, a falta de categoria, de vergonha na cara, de ética, de respeito, em contraponto à liturgia do cargo. A postura de um governante que deixa de utilizar a estrutura que o Estado põe a sua disposição e passa não apenas a exigir, mas a adquirir para proveito próprio e dos seus, coisas que a legislação veda, dando-lhes destino e utilização absolutamente imorais. Coisa a que não teria acesso se tivesse que arcar com os custos do seu próprio bolso. Coisas que nunca teve e agora se acha no direito de ter, esquecendo da condição transitória do exercício de qualquer cargo ou função pública.

Isso independente do que acham advogados de saber jurídico e reputação discutível ou pareceres elaborados ao gosto do freguês; nada pode se sobrepor ao que dispõe o artigo 37 da Constituição da República, que descreve os princípios pelos quais obrigatoriamente deve se mover a administração pública. A despeito das vontades, interesses, mentiras e megalomania dos mandatários de plantão.

Para um Estado que já teve, só para citar os exemplos mais recentes, um governador que, não querendo usar o Palácio, preferiu continuar morando no modesto, mas digno apartamento em que vive até hoje, comprado com o próprio esforço; e ia para o trabalho de ônibus; e outro que, também morando fora, alugava um apartamento pequeno e simples, que tinha pouco mais que uma cama, geladeira e fogão, tudo pago do próprio bolso; sem que nada disso tivesse afetado as condições de exercício ou a liturgia do cargo que ocupavam; chegou-se decididamente ao fundo do poço da “chinelagem”. Se é que não pode ser ainda mais fundo.

Aguardemos a próxima surpresa desagradável.

Ricardo Antunes: admirável mundo novo?


Por Christian Carvalho Cruz

ENTREVISTA / RICARDO ANTUNES



A não ser em seus livros, em que analisa com acidez marxista as transformações do trabalho e suas implicações na vida cotidiana, o sociólogo Ricardo Antunes, da Unicamp, tem dificuldade de contar a dura verdade a um trabalhador. Certo dia lhe telefonou uma funcionária do banco querendo saber por que ele não pagava contas pela internet. "Porque eu não lido bem com tecnologia", Antunes disfarçou. A moça insistiu dias depois. "Porque eu não confio na internet", foi a segunda resposta que ela ouviu. Só no terceiro contato o sociólogo abriu o jogo: "Porque eu não quero que você perca seu emprego."

É justamente do trabalho no admirável mundo imaginado pelos entusiastas da era digital que trata seu novo livro, a coletânea de ensaios Infoproletários - Degradação real do trabalho virtual (lançado pela Boitempo). Organizada em parceria com o também sociólogo Ruy Braga e com lançamento previsto para o dia 26 de outubro, a obra faz um recorte preferencial pelos operadores de telemarketing e trabalhadores de call center, expressões máximas da atual precarização do trabalho, segundo Antunes. Contudo, na entrevista a seguir, o sociólogo envereda também por outros desdobramentos da nova realidade, na qual ele vê poucos motivos de celebração. "Não é possível que o século 21 transcorra com essa destruição do trabalho em escala monumental sem que algumas `placas tectônicas´ se movimentem - e eu não estou falando de geofísica, obviamente", ironiza. "A história está aberta para qualquer tipo de saída."

Eis o infoproletário

"O proletariado não acabou, ao contrário do que muitos previram e desejaram. Ele se transformou. O livro é uma tentativa de compreender essa transformação. Infoproletariado, ou ciberproletariado, são termos que compreendem uma ampla gama de trabalhadores que floresceu nas últimas três décadas e meia a partir do aumento do uso da tecnologia da informação, da globalização e da degradação das condições de trabalho. Esse triplo processo originou um tipo de proletário contraditório. Ele é de ponta, moderno, porque usa tecnologia avançada, mas é atrasado, porque herdou condições de trabalho vigentes no início do século 20. Analisar esse fenômeno é ir além do invólucro místico de certa sociologia segundo a qual a tecnologia traria para o trabalho o admirável mundo novo. Talvez fosse mais correto falar em abominável mundo novo."

Mais completa tradução

"O operador de telemarketing é a expressão mais completa de infoproletário. Um trabalhador sob controle absoluto. Ele fica isolado em baias de modo que não converse com o colega do lado, tem tempo contado para ir ao banheiro, é punido se não cumpre metas e, como na indústria fordista, faz um trabalho prescrito e repetitivo levado ao limite. Um quadro de sofrimento e sujeição totalitária. Em franca expansão mundial, os call centers são, obviamente, importantes empregadores de jovens. Mas até eles percebem a tragédia em que se encontram. Em poucos meses não suportam o emprego, mas não podem sair, pois lá fora a opção é o desemprego. Sintomático que antes do início da jornada diária os teleoperadores se reúnam em um momento de concentração, com música agitada, palavras de ordem, etc. É o seu momento catártico para enfrentar a barbárie que virá."

E aí, parceiro...

"O infoproletário não se rebela. Afinal, ele não é um trabalhador, ele é um `colaborador´. Eis uma engenharia ideopolítica das empresas, nascida nesse novo mundo do trabalho. Elas precisam da aquiescência e do envolvimento dos trabalhadores para tê-los só pensando nelas. No seu jogo de palavras, um colaborador não é parte da classe operária, não se sindicaliza, não pensa em política. Colaborador é parceiro, quase sócio. Por isso até almoça no mesmo restaurante dos gestores. Como, por definição parceria implica ajuda mútua, na bonança ou na tragédia, eu pergunto a essas empresas: por que o seu colaborador é o primeiro a ser penalizado em tempos de crise? Estamos diante de uma falácia, logicamente."

Voluntário não, obrigado

"É o caso também da chamada web 2.0, em que os indivíduos são `convidados´ a colaborar com empresas de internet. Há uma utilidade social clara nisso, não nego: o cidadão pode dividir com outros cidadãos quaisquer informações que julgue importantes. Porém, há um segundo elemento, que é o capital se aproveitando de mais uma brecha para gerar valor. Como no trabalho voluntário, mais uma forma de mascarar a autoexploração. Ao procurar emprego hoje você estará em desvantagem se não mostrar no currículo que fez ou faz trabalho voluntário. As empresas valorizam isso. Mas se você tem que fazer trabalho voluntário para conseguir um emprego, então ele se tornou trabalho compulsório. No Brasil existem perto de 20 milhões de trabalhadores voluntários. É evidente que eles substituem 20 milhões de assalariados que estariam recebendo para realizar um trabalho agora feito por voluntários que são obrigados a sê-lo. Que coisa..."

Home office

"Outro desdobramento do cibertrabalho é o trabalho à distância, o melhor dos mundos para o capital. Você trabalha em sua casa, onde o público e o privado se embaralham: como não há definição do que é trabalho e do que é descanso, a jornada se estende. Você fica sempre disponível e pode ser incomodado a qualquer hora por questões de trabalho, afinal você não está só em casa, está também no escritório. A noção de tempo desmorona com a vida privada. É uma nova modalidade de precarização permitida pela tecnologia. O pior é que virou tendência, essa é a nossa tragédia. Sou capaz de compreender o lado positivo do trabalho a distância para certo tipo de trabalhador que dispõe de `capital cultural´ e acha bom ter controle sobre o próprio tempo. Mas o inverso disso é a individualização, o isolamento, o fim do trabalho coletivo e a quebra dos laços sociais."

Terremoto social

"O avanço tecnológico atual é tamanho que poderíamos trabalhar tranquilamente três horas por dia durante três ou quatro dias por semana. Todos produziríamos e viveríamos bem. Mas como realizar isso nesses tempos de sociedade que vive em plena superfluidade? As pessoas precisam ir ao shopping, consumir sem parar, mesmo sem saber o quê nem pra quê, não é mesmo? Alguma coisa está fora de ordem. E não é possível que o século 21 transcorra com essa destruição do trabalho em escala monumental sem que algumas `placas tectônicas´ se movimentem - e eu não estou falando de geofísica, obviamente. Cinco anos atrás quem diria que os Estados Unidos tomaria medidas estatizantes para impedir a falência de seu sistema financeiro? Quem diria que no modelo imaginado pelo american way of life o essencial automóvel se tornaria também moradia da classe média? A história está aberta, inclusive para saídas ainda mais à direita."

Pescado da página da Contraf, originalmente publicado pelo jornal "O Estado de São Paulo".

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Bancários, Banqueiros e População


Por Breton

Na manhã de hoje, dia 16/10/2009, durante o programa Gaúcha Atualidade, o jornalista André Machado destilou uma série de críticas à greve na CAIXA. Buscando legitimar sua posição política, afirmou ser ex-funcionário da Caixa, grevista e sabedor do achatamento salarial sofrido pela categoria nos últimos anos. Entretanto, criticou categoricamente a manutenção do movimento paredista sob o argumento da perda de apoio da população, pelos prejuízos causados ao povo. Segundo ele, inclusive, a greve facilitaria um futuro processo de privatização da instituição, já tentado no governo Collor.

Nos cabe um comentário. Durante o programa ocorreu uma forte contradição entre os apresentadores. Ao mesmo tempo que argumentaram que a greve só dura nos Bancos públicos, pois os funcionários não sofrem ameaças de demissão, justificaram que nos bancos privados os empregados voltaram ao trabalho e nunca quiseram realmente aderir ao movimento. A greve teria sido forçada pelo sindicato, que fechou uma série de agências, e teria utilizado, segundo os apresentadores do programa, uma cola de cartazes que destrói com a fachada do banco. Um terrível ato de vandalismo, imagina só, usar uma cola para colar cartazes impedindo a direção dos bancos de abrir seu honesto negócio. De forma oportunista, esqueceram o selvagem assédio moral praticado pelos banqueiros para forçar os trabalhadores a voltar ao trabalho, ignorando seu legítimo e histórico direito de greve. Retrocedem saudosistamente a períodos históricos onde a lógica pura do Capital podia se reproduzir sem amarras.

O mais curioso é que os jornalistas se arvoram o direito de compreender a vontade geral dos trabalhadores, sem consulta-los e desconsiderando sua manifestação, seguindo uma legítima linha Rousseauniana, pois a instância legitima para definir essa questão é a assembleia da categoria, a qual decidiu e ratificou a paralisação.

Bom, voltemos a falar da CAIXA. Realmente os funcionários da instituição sofreram nos últimos 20 anos uma brutal diminuição do poder de compra dos seus salários, principalmente após as reformulações implementadas durante o governo FHC, que caminhavam no sentido de enxugamento para posterior privatização do Banco. Esquecer a participação do governo tucano no processo de sucateamento da instituição é um grave exercício de desonestidade intelectual.

No atual governo é indiscutível o fortalecimento do Banco como instituição, ampliando sua atuação em benefício do conjunto da população brasileira que precisa, e muito, de um Banco com as características da CAIXA. Contudo, os problemas históricos, qualitativos e quantitativos, relativos ao fortalecimento de seu quadro funcional vêm sendo enfrentados de forma muito tímida, quando muito. Essa combinação de ampliação da atuação do Banco, com conseqüente aumento considerável da carga de trabalho, e manutenção da desvalorização do corpo funcional, se torna explosiva. A pressão desumana da empresa sobre seus empregados reforçam uma das poucas alternativas de resistência, a greve. Deste modo, a greve dos funcionários é legitima e justa. Busca, ao contrário do propagado pela grande mídia, não apenas conquistas individuais, importantes, mas também o fortalecimento da CAIXA enquanto instituição pública, voltada aos interesses da maioria da população e ao desenvolvimento econômico e social do país.

Sobre o apoio da população vale notar o papel da mídia em reproduzir cotidianamente o senso comum, de acordo com seus interesses, superdimensionando a lógica imediata e os desconfortos momentâneos gerados à população, identificando como culpados os funcionários e a instituição pública. No entanto, nunca ressalta a perversidade do sistema ou o papel positivo da luta no fortalecimento de um sistema bancário que realmente beneficie a população e não meia dúzia de rentistas ou grande empresários. Ou seja, assume claramente seu papel de intelectual orgânico de uma classe, defendendo determinada visão social de mundo.

E aqui um adendo para não passar batido. Cada vez mais as instituições financeiras públicas começam a enfrentar as mesmas contradições vividas pela CAIXA hoje. Elas tem que cumprir seu papel público enquanto sofrem as mazelas da lógica financeira de mercado. Assim, os avanços conquistados não são consistentes, e além de estarem ameaçados constantemente, tem sempre uma contrapartida cruel. Portanto, é mister o movimento bancário aproveitar a janela histórica atual, onde a ânsia privatista está em um momento de recuo estratégico devido a importância do Estado na recuperação do convalescente capitalismo, para passar a assumir definitivamente, e como ponto fundamental, a bandeira da Estatização do Sistema Financeiro. Agora é a hora. Por Bancos públicos a serviço do desenvolvimento e não da especulação financeira ou de grandes grupos econômicos.

Não posso deixar de acrescer na contribuição do Breton o papel vital que os bancos públicos, e a CAIXA em particular, tiveram nos esforços que evitaram que o Brasil fosse tão afetado pela crise financeira mundial como os demais países. Caso o tucanato tivesse conseguido concretizar seu objetivo de privatizar a instituição, o Brasil ficaria sem ferramentas para irrigar a economia com crédito, gerir os programas sociais e os investimento públicos como o PAC, causando um prejuízo social e econômico gigantesco. Uma boa parte do bom momento econômico vivido pelo país se deve ao trabalho dos empregados da CAIXA.

Seguidores

Direito de Resposta do Brizola na Globo