quinta-feira, 13 de maio de 2010

Herança e alegoria

Por Adão Paiani*

Entendo importante a manifestação do cineasta Jorge Furtado, na entrevista ao Sul 21; discordo dela em alguns aspectos, mas concordo no fundamento da crítica. Nossa realidade atual não permite que possamos nos considerar exemplo positivo para rincão nenhum desse país; ao contrário. Importamos mazelas que julgávamos exclusividade de outros Brasis, e ainda tivemos a capacidade de aprimorá-las.

No entanto, convém lembrar que a valorização do nosso legado cultural; luso, hispânico, com todas as nuances dadas pela imigração posterior e pela raiz ameríndia e africana; iniciada pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho representou, na sua origem, uma resposta ao colonialismo cultural do pós-guerra; que nos colocava num patamar de inferioridade frente ao american way of life que nos enfiavam goela a baixo.

Historicamente, o movimento foi importante para resgatar a base sobre a qual, bem ou mal, se construiu nossa sociedade. Apesar de todas as críticas que possamos ter aos valores e à tradição que nos foram legados, eles são as bases de nossa identidade. E seria injusto avaliar essa herança cultural por uma perspectiva histórica descontextualizada.

Ocorre que esses mesmos valores foram apropriados por uma pseudo-elite, atrasada e reacionária e que apenas faz de conta valorizar o passado de lutas desse povo meridional, usando em seu proveito somente os aspectos que lhe convêm. E que não se dá ao trabalho, por não interessar ao seu projeto, de buscar inspiração nos exemplos libertários de um Bento Gonçalves da Silva, de Giuseppe Garibaldi, Antônio de Souza Neto ou Luigi Rossetti. Interessa-lhes tão somente o culto asséptico a um passado idealizado; como se lá não houvesse exemplos de revolta e insubmissão que deveriam ser seguidos ainda hoje.

Isso pode perfeitamente ser observado, atualmente, no apoio de segmentos importantes do tradicionalismo a um grupo hegemônico que ainda têm a pretensão de querer governar o Rio Grande e seu povo como se fosse uma estância do século XIX. Esse gauchismo de bravatas e fachada só consegue enxergar o que existe de ruim do Mampituba para cima, ignorando coisas iguais ou piores que acontecem por aqui; e com isso só consegue desconstruir a identidade de um povo.

Rasgando os bons exemplos do passado, transformam as pilchas que vestem em meras alegorias, sem o valor e fundamento que realmente deveriam ter; contentando-se com cavalgadas, desfiles, músicas e poesias, onde o auto-elogio fácil, geralmente de gosto pra lá de duvidoso, beira com facilidade o ridículo.

Mas isso não pode servir de motivo para deixarmos, dentre outras coisas, de cantar, com emoção e respeito, um hino de letra e música simples e tocante, motivo de admiração por todos os que nos visitam, e que diz muito da herança verdadeira que recebemos. É algo que nos cabe preservar, e transformar na base sólida do futuro que queremos construir para o povo riograndense.

*Advogado

Um comentário:

Remindo disse...

Se o nordestino é a antes de tudo um forte, o gaúcho é antes de tudo um grosso. Só um gaucho seria capaz de cometer a grossura de uma frase como esta.

Agora, falando menos sério, acho uma bobagem isto de analisar grupos em separado. As mesmas coisas se repetem aqui e no Rio, no meio dos indígenas escondidos no Amazonas e na alta (argh!) sociedade francesa. Somos todos humanos, nem melhores nem piores que os outros. Só humanos.

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