quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Shoá e resistência


Por Adão Paiani,

Shoá, ou Shoa, é uma palavra iídiche que significa, literalmente, calamidade. Vem sendo cada vez mais utilizada como sinônimo de holocausto, uma vez que essa última terminologia, teologicamente, nos remete aos sacrifícios bíblicos feitos pelos antigos judeus a Deus e, evidentemente, por essa perspectiva, não é a mais adequada para descrever o regime e genocídio que vitimou, além dos judeus, também milhões de outras pessoas que de alguma forma significassem risco ao nazismo e seu projeto de sociedade.

No ano em que se recorda o início da segunda guerra mundial é oportuno analisar e tirar lições dos fatos que levaram ao surgimento e consolidação nazista dentro de um Estado democrático; e como tudo poderia ter sido evitado se, no momento certo, a ascensão de Hitler, seus asseclas e seus métodos de manipulação midiática da sociedade germânica houvessem encontrado resistência dentro da própria nação alemã.

Tivesse sido a Shoá combatida desde o início, por uma resistência legítima, se teria evitado que a serpente gerada pelo ovo da maldade, da mentira e da insanidade crescesse e devorasse a todos em sua volta. A falta de coragem para agir, ante um falso dilema de se garantir a governabilidade de um Estado frente a problemas históricos, fortaleceu, legitimou e liberou um regime sórdido e seus agentes que, na visão de Eli Wiesel, eram a maldade em seu estado mais puro.

Manipuladores de mentes, almas, corações, consciências; os nazistas, tendo Joseph Goebbels como um poderoso ministro da propaganda, aproveitaram-se da fragilidade moral do povo alemão, abatidos pela derrota de 1918 e pela tragédia econômica que se seguiu, para impor seu projeto totalitário, beneficiados em seu início pela apatia cúmplice de toda uma sociedade.

A leitura dos exemplos históricos, por distantes que estejam de nossa realidade, é importante para que se entenda o quanto a reação dos cidadãos à uma determinada situação, e não o seu silêncio, é que determina seu destino. As experiências acumuladas pela história humana não se perdem, e podem ser aproveitadas em diferentes situações; não necessariamente análogas; e latitudes.

A resistência de um povo à prepotência, à arrogância, aos abusos, à mentira e aos desmandos de um governo; mesmo aquele democraticamente eleito; e a todo o establishment que o mantêm; mais do que um direito, é um dever para com as gerações futuras e garantia de sua sobrevivência.

O sufrágio dos cidadãos não deve ser carta branca para um grupo que recebe a delegação do poder originário, fazer o que bem entende. Obviamente que, dado o grau maior ou menor de amadurecimento de uma democracia e qualificação ética dos quadros políticos que esse grupo venha a trazer para dentro da máquina pública, isso pode acontecer. O que diferencia é como o povo reage a esse aparelhamento, quando esse grupo deixa de agir como quadro partidário, dentro de um jogo democrático, e passa a agir como quadrilha ou bando.

O estabelecimento de limites se dá, primeiro, pelos órgãos e mecanismos que o próprio Estado dispõe para exercer internamente um papel controlador e fiscalizatório. Quando esses se mostram ineficientes, ou mesmo comprometidos com o oposto que se espera deles; imagina-se que o socorro venha do sistema de pesos e contrapesos que os poderes exercem entre si.

Mas quando tudo isso falha, dado ao grau de organização empresarial para rapinar a coisa pública, o pára-quedas que resta é justamente aquele em que os cidadãos organizados tomam a si essa responsabilidade. É a resistência moral de uma sociedade organizada.

Mas para isso é necessário superar a ignorância e a apatia; e atuar e se fazer ouvir, principalmente quando aqueles a quem foi entregue o papel representativo e fiscalizatório se negam a fazê-lo. E isso só se consegue despertando do torpor, jogando de lado a preguiça e cumprindo com o papel, este sim, indelegável, que um povo tem de escrever o próprio destino.

A maior ameaça à democracia é o desleixo cívico e moral que faz aceitar, sem resistência, a imposição de valores deturpados por uma mídia comprometida com o assalto às estruturas estatais. É quando essa tenta impor que mentira é verdade, promiscuidade é pureza, corrupção é ética; e que deixar de questionar uma gestão pública é garantia de governabilidade, indispensável à estabilidade política de um Estado. O verdadeiro perigo é justamente, a manutenção de um status quo criminoso e corrompido. E é aí que, ao mesmo tempo em que tudo difere, muito pode aproximar períodos históricos e realidades diferentes.

Nossa shoá, nossa calamidade, hoje, é o assalto cotidiano que se presencia às estruturas públicas; e ainda a blindagem midiática desavergonhada a grupos políticos e econômicos que agem como verdadeiras aves de rapina sobre o patrimônio de todos.

A nossa resistência é o dever moral de se levantar contra tudo isso, pela reação e mobilização popular. Assistir a tudo passivamente é colaborar para o esgaçamento moral do tecido social e abrir caminho para qualquer coisa que possa vir depois disso. O silêncio é omissão. A omissão é cumplicidade. E a cumplicidade embala e choca o ovo da serpente.

Há que se reagir. Enquanto ainda há tempo.

5 comentários:

Anônimo disse...

KD O NOME DO OFICIAL DA PM QUE ATIROU NO SEM TERRA ELTON?????? DISSE QUE SABIA, AGORA NÃO SABE MAIS???

Adão Paiani disse...

Anônimo; continuo sabendo o nome do verdadeiro assassino de Elton Brum. Eu, o soldado que assumiu o crime, muita gente da imprensa, boa parte dos oficiais da BM, a cúpula da SSP, a Governadora, Deputados e mais um bocado de gente.

Não revelei ainda por um motivo muito simples, fácil de entender.

Deves saber que, para se defender alguém, essa pessoa precisa querer e colaborar com a própria defesa. O soldado decidiu assumir o homicídio, e a partir daí virou réu confesso.

Se decidir falar a verdade, eu serei o primeiro a estar lá, ao lado dele; dando o apoio necessário, e o ajudando a sair dessa. E isso ele sabe, foi dito a ele, pessoalmente.

Não vou sair em defesa de quem faz o jogo do sistema.Ele não foi forçado a assumir o crime, foi convencido.

Ainda hoje foi divulgado que o Juiz de São Gabriel recebeu a denúncia do MP na forma mais branda, ou seja, como homicídio simples, que tem pena de seis a vinte anos; e não na forma qualificada, que é de doze a trinta.


Deve ter sido prometido muitas promessas, que a gente bem pode imaginar; e até agora ele não teve nenhum prejuízo. Está em liberdade, trabalhando e vai ter um julgamento por um júri extremamente favorável. Até agora, não se deu mal.

Alguém duvida que seja absolvido? Eu acho que vai se livrar dessa.

Quem levou a pior até agora não foi o soldado, nem o oficial que puxou o gatilho e achou um parceiro para assumir o crime. Foi o morto.

Acho que respondi. Não é difícil de entender.


Adão Paiani

Anônimo disse...

Que análise o colunista faria sobre a Shoa dos Ucranianos em que cerca de 6 milhoes de pessoas foram exterminadas pelo facínora Stalin o que o articulista tem a dizer?

Anônimo disse...

Caro Adão. A análise é boa só que voce também poderia ter citado o facínora Stalin. Caberia perfeitamente em teu comentário.

André Faria de Souza disse...

Poderia ter citado Stalin, Mussolini, Franco, Turjillo, Pinochet, Papa Doc e muitos outros. Mas isso, seria totalmente desnecessário. Trata-se apenas de uma analogia da tragédia vivida pelos gaúchos com uma das muitas tragédias vividas no mundo. Uma pena que as pessoas politizem e partidarizem questões de ordem criminal e não política.

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