Ao ler a entrevista do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, na Revista Carta Capital desta semana (nº 570) percebi que a mídia corporativa sofre de amnésia voluntária quando trata de determinados temas indigestos para ela. Segue o trecho que ativou a minha memória:
Carta Capital: O senhor chegou a ter um cargo no governo Fernando Henrique Cardoso, do qual foi afastado por fazer restrições públicas à entrada do País na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), é assim?
Samuel Pinheiro Guimarães: Em 1995, fui designado diretor do Instituto de Pesquisas e Relações Internacionais e fiquei no cargo até 2001. Expressei minha opinião sobre o que considerava serem riscos para a economia brasileira se o País viesse a participar da ALCA. Em entrevistas, artigos e até no meu livro Quinhentos anos..., que é anterior, de 1999, onde há todo um capítulo sobre esse tema. Dois anos depois, acharam que o debate não era oportuno. E eu achei que era.
Carta Capital: O tempo mostrou que o senhor estava correto.
Samuel Pinheiro Guimarães: Sim, teria sido gravíssimo. Hoje não teríamos o Banco do Brasil como banco estatal, nem a Caixa, nem o BNDES, que foi o que permtiu que escapássemos de um impacto maior da crise financeira. Sofremos um impacto na área de exportações, porque os outros países foram se contraindo. Mas internamente não, em grande parte porque o sistema de crédito brasileiro era regulamentado e, se viesse a ser assinada a ALCA, seria altamente desregulamentado. Eram as ideias da época. Por outro lado, não teríamos a Petrobras e, portanto, não sei se teríamos o pré-sal.
Naqueles tempos, principalmente quando o México passou a integrar a NAFTA com os EUA e o Canadá, algumas lideranças empresariais e a mídia corporativa pregavam um cenário caótico e de atraso caso o Brasil não se integrasse logo à ALCA. Apresentavam a proposta como uma grande oportunidade, diziam que o Brasil não poderia ficar preso ao passado e tinha que acompanhar os novos tempos. O México era o exemplo a ser seguido pelo País. Faziam maravilhosas previsões de crescimento e desenvolvimento para o México, enquanto rogavam pragas e desgraças para o País caso a resistência à integração à Área de Livre Comércio concebida pelos EUA não fosse vencida.
Passado mais de uma década, a economia mexicana se encontra combalida em razão do seu alto grau de dependência dos EUA. A mídia corporativa faz frequentes matérias sobre os problemas migratórios na fronteira e sobre a crescente violência dos narcotraficantes, que estão literalmente em guerra com o estado mexicano. Sobre as previsões daqueles tempos e suas consequências para sociedade mexicana nenhuma linha, silêncio absoluto.
Acesso os veículos da mídia oligopolista e encontro os mesmos comentaristas e lideranças políticas que queriam nos colocar naquela fria. Agora vociferam contra as políticas sociais do governo. Mas, apesar de tudo, ainda não deixaram de defender as mesmas receitas econômicas que desgraçaram a economia mexicana e de tantos outros países.
Infelizmente, não temos pluralidade e democracia nos meios de comunicação, pois seria de veras interessante rever alguns comentários, matérias e entrevistas daquela época para fazer um balanço sério dos nossos tempos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário