sábado, 28 de novembro de 2009

O declínio do império americano?


Em visita à USP, historiador inglês Perry Anderson discute a crise e aponta nova pentarquia hegemonizando cenário internacional

Na última terça-feira, dia 17, o historiador marxista inglês Perry Anderson esteve na Universidade de São Paulo (USP) para participar do debate "A crise capitalista atual e suas consequências para a luta hegemônica". Organizado pela Editora Boitempo, em parceria com Clacso, Cenedic e Programa de Pós-Graduação em Sociologia, o evento aconteceu na Casa de Cultura Japonesa e teve participação do cientista político Emir Sader, do professor de literatura e jornalista Flávio Aguiar, além do sociólogo Ruy Braga, como mediador, e Robert Sean Purdy responsável pela tradução. Mesmo com o forte calor, o público lotou a sala e os corredores. Até o hall de entrada, onde havia um telão, ficou bem cheio.

Perry Anderson tem 71 anos, é ex-editor da revista marxista New Left Review, e hoje é professor de história na UCLA, nos Estados Unidos. Começou sua exposição se desculpando em português por ter que falar, a partir de então, em inglês: "minha gramática atroz e meu sotaque ainda pior estragariam o seu bonito idioma", gracejou. Para debater as perspectivas da luta hegemônica num cenário de crise capitalista, Anderson recorreu inicialmente ao historiador inglês Robert Brenner e ao economista italiano Giovani Arrighi, para depois problematizar suas formulações.

Hegemonia entre os Estados

Brenner afirmava que a solução para uma crise como a que o mundo vive hoje, ou a de 1929, seria manter a depressão até que os capitais frágeis fossem destruídos, sobrando somente as empresas mais fortes e competitivas. Em outras palavras, a saída seria uma "purgação sistêmica" dos capitais mais fracos. Já Arrighi, falecido recentemente, tinha uma "análise mais qualificada", de acordo com Anderson. Concordava com as causas apontadas por Brenner - declínio gradual da taxa de lucro, do investimento, emprego e demanda - mas via no capitalismo outras soluções para além de "desvalorizações catastróficas". "Brenner negligenciou a análise da hegemonia, o papel da luta de classes e da política", afirmou Perry Anderson.

Ao tomar como base a disputa hegemônica entre Estados e não em seus interiores, Arrighi trabalhava com o conceito de hegemonia de uma forma diferente de seu conterrâneo Antonio Gramsci, principal difusor do termo. Em comum entre os dois, a compreensão da hegemonia sendo composta pela combinação entre força e consentimento. No caso da disputa entre os Estados, a dominação não se daria somente pela imposição da força de uns sobre os outros, mas também com um consentimento que resultaria em benefícios para as classes dominantes de todos os Estados.

Arrighi apontou em seu livro O longo século XX que a construção da hegemonia - entendida como liderança mundial - foi uma transformação no sistema de Estados, uma combinação entre capitalismo (acumulação de capital) e territorialismo, ou seja, expansão dos territorios estatais

O italiano identifica três exemplos marcantes de hegemonias exercidas por países durante a história: Holanda no século 16, Inglaterra no 19 e Estados Unidos no século passado. Todos teriam partido da expansão material (acumulação de capital) mas a competição teria evoluído a situação para uma hegemonia financeira, processo que resultou em conflitos militares e declínios. O resultado: "caos sistêmico", em conseqüência do declínio do poder econômico.

A atual crise seria parte de um processo que acarreta cada vez mais numa bifurcação entre poder militar, ainda exercido pelos EUA, e financeiro, que segundo Arrighi teria migrado para a Ásia. Para o economista, a solução para atual a crise, dentro dos marcos do capitalismo, seria uma nova acumulação, com novo territorialismo como tarefa secundária. No entanto, Perry Anderson critica este conceito de territorialismo, afirmando faltar nele "noção da natureza política e ideológica dos Estados hegemônicos, de seu caráter de classe".

Hegemonia ou imperialismo?

Perry Anderson retoma o Congresso de Viena, e depois dele a constituição de uma "pentarquia" que compartilhava o poder internacional. Formada pelas cinco grandes potências européias de então - Áustria, França, Inglaterra, Prússia e Rússia - a pentarquia propiciava um trabalho conjunto entre elas para que se evitassem novas revoluções como a francesa. No entanto, segundo o historiador marxista, Inglaterra e Rússia se sobressaíam como hegemônicos no momento, contando com o consentimento dos outros países.

A hegemonia estadunidense seria diferente, por conta de três fatores, segundo o historiador. Em primeiro por seu enorme peso na economia mundial, em segundo por sua natureza puramente capitalista, diferente de Holanda e Inglaterra, que apresentavam "traços feudais e aristocráticos". O terceiro fator seria o mais importante, a existência de um "vasto bloco comunista que tinha abolido as relações capitalistas de produção". Assim, não restava opção aos outros países não-comunistas senão unirem-se sob a dominação dos EUA. "Dominação muito mais forte do que a da aliança em torno da Inglaterra, onde havia muita diferença entre os regimes políticos".

De acordo com Anderson, os Estados Unidos construíram um império baseado em violência e controle de mercados. "Não era hegemonia, estamos falando do conceito clássico de imperialismo", afirmou. Até porque, o inglês aponta que a hegemonia neste caso não seria única, estaria dividida entre Estados Unidos e União Soviética, como inclusive teorizado por Mao Tse Tung.

O declínio do império americano?

Arrighi vê a perda da hegemonia estadunidense como inevitável a curto prazo, e aponta a crise da Dívida Externa, as aventuras militares e o surgimento da China como ator global de peso como fatores decisivos. Para Perry, estes elementos são "ambíguos", insuficientes para determinar com certeza que haverá uma mudança de hegemonia.

Em primeiro lugar, em sua opinião "a escala da dívida é tão grande que ninguém quer cobrá-la, por medo de um colapso na economia dos EUA". Além disso, as conseqüências das guerras no Iraque e Afeganistão são incertas, com uma derrota como a do Vietnã não estando colocada, e o papel chinês não é tão desafiador, uma vez que o país depende dos Estados Unidos por conta de seus investimentos e títulos, portanto não irá desafiá-los. No entanto, "se a previsão imediata de Arrighi está errada, talvez a médio prazo pode estar certa", prossegue Anderson.

Ele aponta a existência atual de "um uma espécie pan-capitalismo", mesmo com diferenças entre níveis de democracia em cada regime. "Existe hoje um novo centro de poder, baseado no Conselho de Segurança da ONU e unido numa estratégia de manutenção do status quo através do monopólio nuclear", define. Os Estados Unidos permanecem hegemônicos em armas, economia e ideologia, mas o fazem porque os outros Estados são seus aliados: "há uma hierarquia, mas entre aliados".

A nova pentarquia

O historiador define a situação atual não como de caos sistêmico e sim de restauração, após "a derrota do grande ciclo de revoluções". Estaríamos diante de uma nova pentarquia, coordenada militar e economicamente, formada por Estados Unidos, União Européia, Rússia, China e Japão. Nesta nova etapa, tanto o risco de conflitos entre os Estados quanto o de novas revoluções "não é agudo como no pós Viena". Segundo Anderson, "a classe trabalhadora está na defensiva, e a resistência vem de forças que não são socialistas nem classistas, vindas especialmente do Oriente Médio".

Se as tarefas políticas e militares da "nova pentarquia" são menores do que da anterior, a coordenação econômica é maior, com vistas à manutenção do sistema capitalista através de um acordo internacional de interdependência. Um exemplo que comprova isso é a rapidez e a uniformidade das respostas dadas à crise por esses países.

Anderson prossegue explicando por que Índia e Brasil estão fora desse grupo de países dominantes. São democracias estabelecidas sobre uma maioria pobre, o que faz com que os governos não possam ignorar pressões das massas. Além disso, o crescimento econômico não é tão baseado nos mercados externos, com uma integração limitada ao sistema, e eles não têm armas nucleares.

"É um sistema estável", define Perry Anderson, "e a estabilidade depende não só de sua formação, mas também da capacidade de outras forças desafiarem esse sistema". "O neoliberalismo afirma que não há nada para além de seus valores, e felizmente hoje essa ideologia está desmoronando", conclui.

"A Guerra Fria ainda não acabou de acabar"

Após a muito aplaudida exposição de Anderson, foi a vez das colocações do gaúcho Flávio Aguiar, professor de Literatura brasileira na USP, e do paulistano Emir Sader, cientista político e secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). Aguiar começou pontuando que o fim da Guerra Fria trouxe um problema para os dois lados, o vencedor e o perdedor: "o que fazer com os arsenais militares?".

"Na verdade a Guerra Fria ainda não acabou de acabar", afirmou, "é um novo capítulo, um confronto ainda latente". A OTAN vem tentando construir radares e bases na Polônia, República Tcheca e Azerbaijão, e de acordo com Aguiar, essa não seria uma estratégia para proteger a Europa de possíveis mísseis iranianos, como é a justificativa oficial: "claramente o alvo é a Rússia. Onde irá esse conflito é impossível de determinar". Existiria também uma tensão política, agravada pela crise.

Lembrou de uma anedota escutada na Alemanha, país onde as vendas de O Capital, de Marx, teriam aumentado dez vezes depois da eclosão da crise. "A esquerda está lendo Keynes para saber o que fazer, e os banqueiros estão lendo Marx para entender o que aconteceu".

Depois apresentou um quadro da esquerda alemã no período posterior à queda do Muro de Berlim e a unificação das Alemanhas, definida por ele como "anexação da Alemanha Oriental à Ocidental". E, partindo deste exemplo, sacramentou: "o desafio para a esquerda hoje é ser esquerda".

A ruptura como alternativa

Já Emir Sader começou questionando "em que a crise afeta a luta por um outro mundo possível?". Definiu o momento como de hegemonia única dos Estados Unidos e marcado por um ciclo recessivo e um modelo desregulador. A hegemonia do capital financeiro e a fragilidade econômica impediriam ciclos expansivos e estariam concentrando ainda mais o poder e a renda.

Sader salienta também o "retrocesso dos fatores subjetivos", um retrocesso na correlação de forças. "Estamos numa circunstância em que a nossa luta não é uma luta que avança". Em sua opinião, a crise afetaria as condições de luta no sentido que enfraqueceu os EUA no quesito econômico e resgatou o papel do Estado na economia. No entanto, "não gerou grandes mobilizações populares, apesar do aumento do desemprego, e, como o Sul do mundo ainda não apresenta alternativas, os espaços de recomposição são do Norte'.

"Nenhum sistema se auto-destrói", ressaltou Sader, apontando a necessidade de elaboração de alternativas que difiram da política do livre-comércio. "Houve muito catastrofismo, que ocupa o lugar de nossa impotência". As necessidades seriam duas: a formulação de um modelo econômico alternativo e uma gestão política internacional multipolar. Definiu três "enormes questões" como preocupantes: a hegemonia do capital financeiro, o modelo do agronegócio e o monopólio da mídia privada.

Quanto à América Latina, apontou avanços, sendo os "países da ALBA os embriões de uma alternativa pós-neoliberal". Mesmo sendo ainda um dos principais ideólogos do PT, rotulou o Brasil - junto com Argentina, Paraguai e Uruguai - como país implementador de "políticas de conciliação de classe", e sentenciou: "ou se avança num modelo de ruptura com o atual modelo ou a direita irá retornar". Fonte: Caros Amigos.

Pescado da página da Fundação Lauro Campos.

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