quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Verdade, Justiça e Reconciliação

Por Adão Paiani*

Não se pode imputar ao Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo de Tarso Vannucchi, a pecha de açodado ou revanchista. É um homem ponderado. O conheci no Fórum Nacional dos Ouvidores de Polícia, presidido por ele, sendo eu; por sua designação, coordenador-adjunto; representando o RS, na condição de Ouvidor. Foi uma experiência enriquecedora, sob todos os aspectos.

Até tímida é a proposta de criação da “Comissão da Verdade”, para investigar crimes de tortura, violações e desaparecimentos ocorridos durante a Ditadura Militar; que despertou os fantasmas da caserna na véspera do Natal. Levantar o véu de impunidade que encobre esses crimes é o mínimo que pode fazer o Estado brasileiro; mesmo com atraso, explicado pela nossa histórica capacidade de varrer a sujeira para debaixo do tapete e conviver com a impunidade.

Em plena normalidade democrática, comandantes militares e o Ministro da Defesa; colocarem-se contra trazer luz à repressão aos movimentos de resistência e tentarem emparedar o Presidente da República, colocando seus cargos a disposição, é muita petulância. Tentativa de tutela inaceitável numa democracia.

Quanto ao golpe de 64; em plena guerra fria, jogava-se aqui; na cabeça de alguns; se nos manteríamos sob a esfera de influência norte-americana ou nos bandearíamos para o lado soviético. Muitos que foram bater à porta dos quartéis acreditavam sinceramente estar livrando o Brasil de uma ameaça. Depois se deram conta onde foram se meter.

Algoz do governo Jango, como já havia sido com Getúlio; apoiador de primeira hora do golpe; Carlos Lacerda; foi cassado e teve que se reunir no exílio com o presidente deposto e outros líderes da oposição; na esperança de formar uma frente ampla que tentasse conter o monstro que ele próprio havia colaborado para libertar. O propósito, obviamente, fracassou. O monstro, despertado, se recusou a dormir novamente.

Ser contra Goulart, apoiar o golpe e dar sustentação inicial ao regime militar não era, necessariamente, compactuar com violações dos direitos humanos e delitos de lesa-humanidade praticados depois. Foi um equívoco transformado em tragédia, gerado pelo medo e, em alguns, até por algo do qual o inferno, existindo, está cheio: boas intenções. Apesar disso, havia gente decente do lado de lá.

Ser contra o regime militar também não transformou ninguém em santo imaculado, visto que muitos daqueles que estavam então na defesa da democracia, hoje estão por aí, lesando sob outras formas, a nação. E alguns cometeram equívocos execráveis, que não devem ser esquecidos. Não dá é comparar o exercício do direito de um povo de rebelar-se contra a opressão, já defendido na revolução francesa, com as barbaridades cometidas por agentes de um Estado fora da lei.

A idéia que a anistia beneficiou os dois lados é um embuste. Indo ao texto, se observa que os chamados “crimes de sangue” não eram abrangidos pela lei. Muitos militantes dos movimentos de resistência ao golpe permaneceram presos, enquanto torturadores ficaram impunes.

A maioria dos integrantes das forças armadas não participou dos crimes da ditadura. Esses foram praticados por uma minoria que muitas vezes sequer era militar; mas tinham as costas quentes; pois mesmo depois de uma seqüência de governos democráticos, seguem preservados; se misturando joio com trigo.

Não há como olhar para frente mantendo os esqueletos nos armários e nos porões. Não há reconciliação, sem verdade e justiça. Sem dizer Nunca Mais; simplesmente esquecendo. Entender isso se sobrepõe a qualquer diferença ideológica ou partidária. Tem a ver com respeito à humanidade e à vida.

*Advogado

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