sábado, 7 de março de 2009

A grande luta é pela democratização da informação


Trecho da entrevista de Maria Victória Benevides, na qual fica claro o teor da celeuma com a Folha de São Paulo. Postado no blog do Luiz Carlos Azenha "http://www.viomundo.com.br/".



Maria Victoria Benevides: "A grande luta é pela democratização da informação"




A professora Maria Victoria Benevides é socióloga, com especialização em Ciência Política e do Direito. Atualmente, é titular da Faculdade de Educação da USP, onde leciona Sociologia e dá cursos de Teoria da Democracia e dos Direitos Humanos. Ela e o advogado e professor Fábio Konder Comparato repudiaram veementemente o editorial da Folha de S. Paulo que classificou a ditadura militar brasileira (1964 a 1985) como "ditabranda". Por isso, foram insultados. A nota de Redação da Folha chamou-os de "cínicos" e "mentirosos". Em entrevista exclusiva ao Viomundo, a professora Maria Victoria Benevides falou da solidariedade recebida, da felicidade de ter recebido também apoio dos jovens e do que, na sua avaliação, está por trás dos ataques da Folha a ela e ao professor Comparato.



Viomundo - O que a senhora está achando da repercussão?



Maria Victoria Benevides - Foi surpreendentemente muito maior do que nós poderíamos imaginar, ainda mais começando em pleno carnaval. Já há mais de 3 mil assinaturas na Petition online, que está circulando na internet. Mas muito mais do que isso a quantidade de blogs, sites e portais, que repercutiu a matéria positivamente. Ou seja, nos termos do manifesto: repúdio à Folha e solidariedade a nós. Eu achei isso muito surpreendente no sentido da rapidez, da mobilização, que mostra a importância da internet. A gente sabe que a internet tem problemas, é de controle difícil em certos casos. Eu, por exemplo, já fui muito insultada através de sites. Mas a internet é uma maravilha. Tudo isso é formidável e mostra como nós podemos usar a internet e os blogs decentes, claro, como uma alternativa concreta, real e perfeitamente viável da gente se desvincular dos jornalões, de uma imprensa de rabo preso. Outra coisa interessante é esse apoio que tem vindo de jovens também. Jovens que mal conhecem o que foi realmente a ditadura, porque isso não costuma ser ensinado nas escolas, com raríssimas e honrosíssimas exceções. E eles também não viveram isso. Eu fico feliz de ver como eles entenderam que uma coisa é discordar, outra, é apresentar uma visão facciosa, no caso da Folha até ignorante, porque o conceito de "ditabranda" foi inventado num outro contexto. Mas esses jovens tiveram realmente esse empenho.



Viomundo - A senhora esperava essa reação da Folha?



Maria Victoria Benevides - Para mim, essa experiência em relação à Folha é inédita. Eu fui colaboradora, sempre fui entrevistada. E isto eu faço questão de dizer. Eu sempre tive uma postura de desconfiança em relação à chamada grande imprensa. Eu nunca tive ilusões do que estava por trás dela. Eu lembro de que no começo do PT, a gente reclamava que eles [a grande imprensa] não davam aquilo que a gente fazia. Uma vez escutei de um supermilitante, fundador do partido: "Ah, vocês não dizem sempre que a imprensa é burguesa ...Vocês queriam que a grande imprensa elogiasse a gente?" Então eu colaborei com a Folha, sempre a pedido dela, que me pedia artigos para a Página 3. Mas eu sempre achando que, como professora de Ciência Política, de Sociologia, tratando de problemas de cidadania, de participação, democracia, direitos humanos, era importante aparecer num canal de muita divulgação. Até mesmo como obrigação pelas teses que sempre defendi. Depois , pelo fato trabalhar numa universidade pública. Mas eu acho que esse argumento não vale mais. Não apenas porque há muitas outras opções... Quando eu comecei, a chamada imprensa alternativa estava muito amordaçada, e eu participava também quando podia. Mas hoje, quando eu penso, tem toda a internet, tem uma imprensa independente que vai desde Carta Capital, Brasil de Fato, Jornal da Cidadania, Fórum. E a quantidade de blogs... Eu fiquei conhecendo um monte que eu não conhecia, porque eu não sou da geração de computador que já nasce com dedinho no teclado, como as minhas netas. Mas agora já sei. Estou craque em olhar os blogs, adicionar os favoritos. Consigo tirar coisas internet e colar em meus e-mails para mandar para os meus alunos...



Viomundo - Professora, qual o motivo dessa agressão da Folha à senhora e ao professor Comparato?



Maria Victoria Benevides - O que a gente tem que entender agora é o que está por trás dessa posição da Folha. Os termos da carta foram agressivos e ofensivos. E a Folha já deve estar muito convencida de que foi um tiro no pé. Isso eu não tem a menor dúvida. Mas se olharmos por trás, acho que há três pontos importantes. O primeiro é que a Folha enxerga tanto no professor Comparato quanto em mim pessoas muito ligadas a esse movimento de contestação da anistia para os torturadores. O professor Comparato é autor de várias representações ao Ministério Público - ele é advogado, eu não sou - na defesa de vítimas da ditadura... Isso é algo que não interessa a muita gente vinculada à Folha, porque quando a gente começa a remexer no passado não são só os torturadores que aparecem. Vai aparecer muita coisa. Vai ser lembrada muita coisa. Já tem muita gente lembrando, por exemplo, o caso da Folha com os furgões que transportavam torturadores para lá e para cá, etc. Esse é o primeiro ponto. O Fábio, principalmente, é muito identificado com isso. Por que as outras cartas, eles [a Folha] disseram que respeitavam a opinião? Nós fomos agredidos e insultados. Então, por quê? Teve gente que escreveu para lá, dizendo que aquilo era uma palhaçada, um absurdo, e ficou por isso mesmo.



Viomundo - Qual o segundo ponto?



Maria Victoria Benevides -
Está havendo um insidioso caminho de revisionismo histórico em relação ao regime militar. Isso no meio acadêmico, no meio político, no meio editorial. Eles começam com aquela coisa de dizer que se o pessoal não tivesse desatinado para a luta armada, não tinha num sei o quê... Depois, dizem que foi ditadura, mas afinal não foi tão ruim assim quanto falam... E que o Brasil se desenvolveu, a infraestrutura...


Viomundo - Então esse revisionismo é mais amplo, é geral?



Maria Victoria Benevides - Eu acho que abrange muita gente. Não é só o jornal Folha. Acho que é uma coisa espalhada. Eu fui assistir a alguns seminários sobre o Golpe de 1964 e os 40 anos de AI-5. Eu fiquei muito impressionada de ver gente relativizando esse período. Então existe essa coisa insidiosa por aí, sim. Viomundo - E qual é o terceiro ponto?Maria Victoria Benevides - A campanha de 2010. O professor Fábio é muito crítico do governo Lula, mas é muito mais crítico em relação à aliança PSDB/DEM, o antigo PFL. E jamais apoiará nada que venha daquele lado. Já eu sou plenamente identificada com o PT, com parte do governo Lula. Então, a ascensão da Dilma não está nos planos de interesse da Folha. Eu acho que esses três pontos que têm que ser levados em consideração.



Viomundo - Professora, a Folha ao agir dessa forma, ao falar da ditabranda, quer também reescrever a sua história, dizendo algo assim: "a ditadura não foi tão pesada, então nós não fomos tão safados"?



Maria Victoria Benevides - Eu acho que desde aquele livro da Beatriz Kuschnir, Cães de Guarda, que não teve a repercussão merecida, mas agora vai ter... Eu mesma estou comprando para mandar de presente para um monte de gente. Então, eu acho que essa lembrança está sendo muito incômoda para a Folha. A Folha vive se explicando toda vez que esse assunto surge... É um esqueleto no armário. Mas eu não saberia dizer se ela está tentando reescrever a sua história. Ma eu acho que ela teve momentos muito importantes. Por exemplo, no período do Cláudio Abramo, na campanha das Diretas...Mas nós não podemos nos iludir com os interesses dos jornalões. Nem com a Folha, nem com o Estadão, nem com o Globo. Nem com as televisões que, de concessões públicas, acabam não tendo nada, porque estão a serviço dos caciques, etc.Eu acho que a grande luta que nós temos agora pela frente é a luta da democratização dos meios de comunicação, da democratização da informação e da comunicação.

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