A vida em um país nórdico nos faz refletir mais profundamente sobre a relação entre liberdade, igualdade, autonomia e formatos sociais que podem propiciar vidas mais plenas e felizes aos seus cidadãos. Para alguém habituado aos maus tratos aos quais corriqueiramente brasileiros estão submetidos, uma sociedade igualitária, com amplo respeito pela vida humana, excelentes índices de educação, burocracia inteligente e serviços públicos voltados (de fato) para melhorar a vida do cidadão, soa como um caminho para a produção de seres humanos mais plenos e sociedades mais inspiradoras. Talvez não seja assim.
Abrindo parênteses – Quando aqui nos referimos à igualdade, não tratamos de mera distribuição eqüitativa da renda. A igualdade e a dignidade humana que uma sociedade pode produzir refere-se à possibilidade de o cidadão ter condições materiais e subjetivas à sua disposição, para que, atendidas suas necessidades básicas e diárias de bem-estar, ele ocupe-se com questões outras que a sobrevivência. Essas necessidades básicas de bem-estar incluem uma ilimitada oferta de bens públicos: de excelentes creches, escolas, universidades (100% gratuitos), sistema de saúde e previdência a todos (a todos, sem distinção, sem “centros de elite”), a piscinas públicas, parques, transporte confortável e excelente (pra quem vive no Rio, a comparação com os ônibus kamikase é inevitável), serviços de apoio aos migrantes, seguro-desemprego por tempo indefinido, licença maternidade de 10 meses, muitas bibliotecas públicas, móveis de graça se você mora em apartamento de estudante…
No entanto, a Finlândia tornou-se uma sociedade tão igualitária quanto apática. Pouco criativa (da música ao teatro, cinema e artes em geral), reproduz o mundo com extrema facilidade, mas tem limitada capacidade transformadora. A maioria de seus educados cidadãos são seres pouquíssimo críticos. Não falam em sala de aula (do pré-primário à universidade), questionam pouco a vida que levam, reproduzem a moral luterana com impressionante precisão e são fisicamente contidos. Impressiona o peso do sonho com formatos familiares margarina (papai, mamãe e um casal de filhos) mesmo entre os jovens das cidades. É um país chato, sem movimentos (políticos, sociais, artísticos, de moda), sem ondas, com pouca energia de vida. E isso não parece ter forte relação com o frio (nem tão intenso na capital, Helsinki). É um acomodamento social, um respeito quase inexorável pelas regras, pela moral familiar, pelo reconhecimento social, e que produziu seres amorfos, pouco transformadores. Homens e mulheres que se parecem, movimentos corporais e faciais robóticos, quase nenhum tesão de vida.
Esse resultado não foi causado, é evidente, pelo formato social igualitário. Em outros termos, não foi a igualdade que deixou o país chato. Ademais, sociedades desiguais podem ser tão ou mais acríticas e reprodutoras. O ponto que nos intriga é que a igualdade, o respeito e a dignidade dada a todos não levaram à autonomia, ao pensamento criativo e crítico, e a processos transformadores. A educação formal produziu aqui bons engenheiros, lingüistas, professores de todos níveis, operadores de mercado. Mas não seres críticos. Uma vez dadas as condições gerais de bem-estar e conforto físico a todos, uma vez garantida a profusão e disseminação do conhecimento, uma vez apaziguadas as condições extremas, o que fizeram os seres deste espaço? Usaram esse conforto, esse conhecimento e as condições tranqüilas de vida para reproduzir a moral e os princípios de seus antecessores, para atender às expectativas de seus pais e para construir uma carreira profissional com importante reconhecimento social. De onde vem a crítica, a capacidade transformadora, o pensamento e a ação autônoma, a atitude reflexiva e inspiradora? Eles não guardam nenhuma relação com a igualdade e com a educação formal? E, afinal, se finalmente construirmos uma sociedade crítica, transformadora, autônoma e inspiradora, serão seus habitantes mais felizes?
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