sábado, 18 de abril de 2009

Entrevista com o dirigente do MST, Roberto Baggio

Em entrevista publicada pela agência de notícias e jornal Brasil de Fato o dirigente do MST, Roberto Baggio, comenta a Jornada de Lutas no campo prevista para abril. O noticiário brasileiro é tradicionalmente marcado em todo mês de abril por manifestações organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Batizada pela grande mídia como o “Abril Vermelho”, esta jornada de lutas, de acordo com a direção do movimento, acontece porque há treze anos no dia 17 houve o "Massacre de Eldorado dos Carajás", quando 19 sem terras foram assassinados em uma operação da Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, no Pará. Em 2002, esta data foi instituída pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.
Segue a entrevista publicada originalmente no site www.brasildefato.com.br:

Radioagência NP: Baggio, há algum tempo o MST afirma que a reforma agrária está parada. A crise econômica trouxe alguma mudança para este quadro?

Roberto Baggio:
Não há dúvida que sim. O modelo atual entrou em crise e também atingiu o modelo de desenvolvimento da agricultura brasileira, baseada no agronegócio. E na medida em que a crise atinge em cheio o agronegócio, possibilita abrir portas para nós avançarmos em um programa de reforma agrária. E, mais do que nunca, a reforma agrária ocupa um espaço importante para resolver e enfrentar a crise atual.

Como a crise se refletiu no agronegócio?

Toda a economia do agronegócio está voltada para a agroexportação. E, à medida que a crise mundial atinge os países desenvolvidos, a agroexportação entra em crise porque não tem mais mercado. Os preços estão caindo, o Brasil importa um conjunto de matérias primas de sementes, de insumos e isso está tudo vinculado ao dólar, então encarece o mercado interno. O uso abusivo de veneno, herbicidas, contribui para contaminação dos alimentos, isso refreia a compra de máquinas, enfim, a crise revelou que o agronegócio não é uma alternativa para organizar o modelo agrícola brasileiro. O que a gente precisa é superar esse modelo atual que concentra propriedade e que tem como objetivo central só o acúmulo de dinheiro.

Mas de que maneira a reforma agrária nos ajudaria a superar essa crise?

Agora precisamos de uma conjugação de esforços, no sentido de que o Estado brasileiro tome um conjunto de medidas para desconcentrar a terra, para evitar o êxodo [de trabalhadores rurais] e para resolver o problema dos grandes centros urbanos. É uma política estruturante no seu sentido pleno. [A reforma agrária] Ajuda o país, os trabalhadores que se beneficiam, os pequenos municípios e também gera emprego. Então é uma política estruturante que resolve o problema da comida, da moradia, do trabalho, da educação, da saúde, da geração de imposto e do crescimento do país.

Mas, concretamente e de imediato, o que precisa ser feito pela reforma agrária?

É preciso que neste momento o governo pense a reforma agrária como uma política estruturante, e para isso ela tem que ser complementada com uma iniciativa política rápida do governo, em torno das desapropriações e a estruturação produtiva dos projetos de assentamentos, estruturação social na área da saúde e da educação. Em paralelo a isso, nós precisamos estruturar um programa de agricultura de médio e longo prazo, que seja um programa popular e que recupere a agricultura, enquanto uma política voltada para o mercado interno, para produção de alimentos e que preserve a terra, as sementes e a biodiversidade. Ou seja, os recursos naturais e minerais, e a riqueza de nossa agricultura, têm que estar focada no desenvolvimento nacional, na geração de empregos aqui.

A jornada também trará alguma resposta ao ministro do STF, Gilmar Mendes, que acusa o MST de usar as verbas da reforma agrária para ocupações?

O movimento nunca precisou de dinheiro público para fazer ocupação, porque é o estado de necessidade que faz com que as pessoas lutem, se mobilizem e avancem. A jornada de lutas de abril é o momento de denunciar a ausência da reforma agrária, fazendo que o conjunto da sociedade amadureça, no sentido de buscar solução para os problemas que a sociedade brasileira enfrenta. O central é não permitir que a reforma agrária entre no ralo, como o ministro quer, e sim fazer com que ela reocupe uma agenda política positiva, afirmativa, de trabalho, de saúde, de educação, de soberania e de soluções para a crise que atinge a grande maioria da população.

Para além da reforma agrária, esta jornada reivindica alguma outra medida para combater a crise?

Sim, nossa luta é para que o governo implemente um conjunto de políticas públicas para enfrentar a crise brasileira, entre elas, por exemplo, ter o controle sobre o câmbio, sobre o capital financeiro, investir o que a sociedade paga de imposto na geração de empregos, no investimento em capital produtivo, na educação e saúde. O que a gente precisa é ir acumulando força, envolvendo o conjunto da sociedade brasileira e exigir que o governo federal tome um conjunto de políticas públicas que preserve os interesses, os direitos da grande maioria da população, e que ao mesmo tempo, impeça que o capital externo e os grandes grupos econômicos se apropriem da nossa riqueza, e dos nossos impostos em benefício dos seus interesses.

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