Quem estudou economia conheceu algum personagem do tipo a seguir ou alguém similar. O Sr. Sabido, professor titular do Departamento de Economia era uma dessas figuras folclóricas da universidade, que acreditava mais nas teorias que estudou (ou absorveu) do que no mundo real. A realidade é apenas um elemento que perturba o equilíbrio dos seus modelos.
O Sr. Sabido, que sempre foi um coroinha dedicado da Igreja Neoliberal, construiu suas crenças baseadas nos axiomas fundamentais dessa corporação religiosa:
- menos governo é sempre melhor do que mais governo, e;
- os seres econômicos agem sempre de forma racional;
Com base nesses princípios universais e naturais (como a lei da gravidade da física), chegou a conclusões inexoráveis sobre governantes e governos: os políticos (que apresentam uma racionalidade própria) são seres de natureza populista e perdulária preocupados apenas com suas reeleições, e por isso incapazes de desenvolver governos eficientes. Pelo contrário, se deixarmos os governos em suas mãos, levam os estados a insidiosos déficits orçamentários!
A saída para esse dilema definitivamente não é a democracia plena. Ao dar espaço para que o povo se manifeste, as decisões políticas tomadas serão a média da vontade popular, que estará sempre abaixo do ótimo possível. Qual seria então o modelo capaz de levar os governos a decisões eficientes? Bingo! Um “governo de técnicos”, capazes de apontar para decisões ótimas, neutralizando o viés político dos governos.
E foi baseado nessas crenças que o Sr. Sabido resolveu deixar sua meditação contemplativa do alto da montanha da universidade para descer até a planície e aportar sua sabedoria in loco no “governo de técnicos” montado no estado mais sulista do Brasil. Participar dessa experiência inovadora, que reduziria o tamanho do estado a partir de políticas elaboradas por técnicos, era uma decisão extremamente racional de sua parte.
Mas, o governo, que para nosso ilustre personagem era um marco revolucionário, começou a mostrar sinais claros de que, além das intenções declaradas estava bem adaptado à velha forma de fazer política, inclusive desenvolvendo “novos jeitos” de desviar dinheiro público. O professor diante dessa nova realidade resolveu reajustar seu modelo e acrescentar elementos em sua equação para explicar os novos fatos. As variáveis “denuncismo” e “oposição política” foram inseridas no modelo e passaram a explicar as perturbações que alteravam os resultados esperados de suas equações e alma.
Mal tinha o professor Sabido apresentado seu novo modelo para os fiéis que ameaçavam abandonar a igreja local, quando a conjuntura internacional alterou-se radicalmente, levando os principais governos do mundo a intervir decididamente em suas economias para salvar o capitalismo da bancarrota completa. A crise iniciada com uma bolha no mercado imobiliário americano e que rapidamente se tornou em uma crise financeira mundial, espalhou-se para economia real, deixando o professor perplexo.
Governos intervindo em mercados, estatizando bancos, empresas, eram heresias que o ilustre professor só acreditava ser capaz de ver em governos populistas como da Venezuela, Argentina, China, Bolívia, não nos governos sérios dos EUA e Europa. Mais uma vez, a realidade resolveu brincar com a teoria e seus modelos. Como pode, ele se perguntava? Fizemos tudo certo e o mundo toma o caminho da irracionalidade?
E, diante de tantos eventos sem explicação, seu modelo pifou. O professor, então, sofreu um colapso nervoso e passou a negar qualquer fato real da política e da economia. O Sr. Sabido, antes fleumático e com uma face inabalável, ficou transtornado e passou a vociferar contra jornalistas e a oposição. Tais notícias, dizia, tinham a clara intenção de tentar desmoralizar sua igreja, além de querer enlouquecê-lo. Diante disso, o professor foi aconselhado pelos bispos mais “experientes” de sua igreja a se recolher, esperando a tormenta passar.
- O silêncio e o tempo são o remédio da nossa religião, disse o arcebispo conhecido pelo apelido de Português. Assim fizemos em 1929, 73, 79, 97 e em todas as crises anteriores do sistema. Com o tempo tudo se restabelece, retorna o equilíbrio e novamente seremos os porta-vozes da sabedoria convencional.
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