terça-feira, 5 de maio de 2009

Fiori diz que "Não há vitória do Keynesianismo nem abandono da ideologia liberal

Em entrevista publicada pela página da Folha de São Paulo online o professor de economia política da UFRJ José Luís Fiori defende que nem a crise atual nem a adoção pelos EUA e países europeus de medidas de intervenção nos mercados para conter a crise significam o abandono do ultraliberalismo.

FOLHA - A tese mais comum entre os analistas de esquerda é que o thatcherismo foi a reação conservadora a uma crise de sobreprodução nos países capitalistas centrais. Ela teria vindo não para desregulamentar, mas para regulamentar a favor do capital. O senhor concorda?
FIORI - Dizer que a reação conservadora dos anos 80 foi determinada por uma crise de sobreprodução e pela necessidade de regulamentar a favor do capital é no mínimo uma simplificação grosseira. Todas as grandes crises econômicas internacionais sempre tiveram e têm algo a ver, do ponto de vista puramente econômico, com algum grau de sobreacumulação e subconsumo, em algum ponto do sistema econômico mundial.
Mas isso não explica a especificidade de cada crise. É impossível acreditar que a gigantesca transformação mundial depois da década de 1970 foi apenas resposta a mais uma crise de sobreprodução nos países capitalistas centrais.
As crises têm um papel central na análise marxista do capitalismo. Mas elas também acabaram ocupando um papel às vezes que favorece distorções no imaginário da esquerda: toda nova crise capitalista seria sempre anúncio do fim do capitalismo.
O problema é que depois que as crises passam, como o capitalismo não terminou e a revolução não aconteceu, a maioria desses analistas acaba encontrando uma nova explicação funcional para a crise. A crise não era terminal, era apenas uma solução oportuna para um problema estrutural do capital, inventada pelo próprio capital e sua classe dirigente.
Isso já aconteceu com a crise econômica de 1870, e voltou a acontecer com as crises de 1930 e 1970, e está acontecendo de novo com a crise de 2008. Talvez fosse hora de parar de repetir o mesmo erro e aprender um pouco com a história.

FOLHA - A crise econômica atual trouxe de novo ao primeiro plano as teses do economista John Maynard Keynes. Trata-se de abandono completo do liberalismo?
FIORI - Não há hoje, no campo da política econômica, uma vitória teórica do keynesianismo nem um abandono da ideologia liberal. Todas as medidas que vêm sendo tomadas para enfrentar a crise são uma reação emergencial e pragmática frente à ameaça de colapso do poder dos Estados, das moedas e dos bancos, e, como consequência, da produção e do emprego.
Foi uma mudança de política imposta pela força dos fatos e não por uma nova convicção teórica ou ideológica dos governantes mundiais. É como se estivéssemos assistindo à inversão automática da famosa frase de Thatcher: "There is no alternative".
Só que o novo consenso nasceu de forma abrupta e sem nenhum entusiasmo ou mobilização política, ao contrário do que aconteceu com a virada liberal-conservadora dos anos 80.
É verdade que as teorias de origem neoclássica e as políticas ortodoxas saíram do primeiro plano. Mas elas permanecem atuantes em todos as frentes de resistência às políticas em curso. Além disso, as novas políticas não significam a morte da ideologia econômica liberal porque, ao contrário do que pensa o senso comum, o keynesianismo também é liberal.
Keynes era um liberal, e sua teoria recupera algumas teses essenciais do ultraliberalismo econômico dos fisiocratas do século 18 e do próprio liberalismo de Adam Smith. Os fisiocratas franceses consideravam indispensável um "tirano esclarecido" para o bom funcionamento das sociedades de mercado. E o próprio Smith defendia a necessidade do Estado para assegurar o funcionamento da sua mão invisível, sempre que fosse necessário proteger os capitais nacionais ou realizar investimentos de infraestrutura que não fossem cobertos pelo capital privado.
Talvez por isso os trabalhistas e os social-democratas europeus tenham trocado com tanta naturalidade as teses keynesianas pelas politicas neoliberais na década de 70, assim como estão se convertendo de novo ao ideário keynesiano.
Do meu ponto de vista, os neoclássicos e os keynesianos pertencem à mesma família ideológica liberal, e, em política econômica, defendem estratégias que podem ser complementares e que muito provavelmente são indissociáveis dentro do capitalismo. Na verdade, são retóricas e políticas econômicas que atendem a interesses e a funções diferentes, mas intercambiáveis, dependendo do tempo e do lugar.

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