quarta-feira, 27 de maio de 2009

O País não deve se entregar à demanda externa

O pré-sal foi descoberto num momento em que há dados mostrando que 62% das fontes atuais de petróleo vão secar até 2030. Assim, o bloco consumidor naturalmente tende a deslocar para o Brasil uma parte da sua demanda. Mas acontece que há uma desproporção brutal. Ao se deslocar uma pequena parte da demanda global de aproximadamente 80 milhões de barris por dia para o Brasil, gera-se um enorme choque de demanda em relação ao que produzimos atualmente. O bloco consumidor tem o maior interesse de que isso seja feito na maior intensidade possível e o mais rapidamente possível. Esse, porém, não é o nosso interesse.

A opinião é do Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor especial da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), economista Antônio Barros de Castro. Castro defende que o ritmo de produção de petróleo do pré-sal deve ser pautado pela capacidade do País de explorar as oportunidades produtivas de maior potencial. Alertando para a armadilha cambial e fiscal que a voracidade da demanda mundial pode causar nos produtores de petróleo, Castro cita, como algumas das áreas promissoras que poderiam tomar impulso a partir do pré-sal, aços especiais, automação, software e projetos de engenharia. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Estado de São Paulo:


É preciso administrar o choque de demanda. Uma tipologia dos países bem dotados de petróleo ajuda a entender o problema. Há três tipos, e o primeiro é o dos países que se entregam à demanda que, para eles, é deslocada, muitas vezes por falta total de alternativas. São países como Angola, Nigéria, Venezuela, as nações do Oriente Médio. A não administração da demanda causa não só problemas de sobrevalorização cambial, mas também uma revolução fiscal.

O sr. poderia explicar?

É uma dupla revolução fiscal, que muda os padrões de receita e despesa, sem que se entenda como, aos trambolhões. O norte fluminense é um microcosmo desse processo. O Estado passa a ter rendas sem negociar com os cidadãos, sem a intermediação das instituições políticas, o que o faz levitar acima da população. Isso pode permitir tanto loucuras ditatoriais como democracias populistas, que compram a população com gasolina de graça e outros benefícios. Os venezuelanos consideram a gasolina quase de graça como parte do contrato social, o que impede o país de enfrentar seus imensos problemas fiscais - é a enfermidade fiscalista em estágio avançadíssimo. Na Nigéria, talvez a maior das tragédias, acabou até a agricultura tradicional. A Noruega é o único país desse grupo que conseguiu a proeza de não contrair a doença fiscal e conter a doença cambial.

E qual é o tipo brasileiro?

Bem, há um segundo tipo, de países de economia relativamente diversificada, muitos ricos em recursos naturais difusos pelo território, como Canadá e Austrália. O Brasil é do terceiro tipo - economias com diversas possibilidades já desenvolvidas, com capacitações nada desprezíveis, com oportunidades, que subitamente descobrem o petróleo. Estão nesse grupo também a Indonésia, o México, em 80, a Rússia dos anos 90. A Indonésia conseguiu manter a diversidade produtiva, com políticas muito ativas, o suporte das suas relações econômicas com o Japão e a atuação da diáspora chinesa. Já o México, em 80, deixou a economia se truncar completamente. A indústria do Vale Central do México, segundo especialistas, era comparável à brasileira em 1975, mais ou menos. Depois, veio o petróleo, ela foi recuando, e hoje fica na poeira em complexidade e capacitação tecnológica.

E como o Brasil deveria agir?

O primeiro grande desafio é que o brutal aumento de demanda é um empurrão exatamente quando não precisávamos, já que finalmente se descobriu como gerar, expandir e sustentar a demanda interna. No momento, por causa da crise, passamos por um "dente" de demanda e temos as políticas contracíclicas. Mas não é um problema de médio e longo prazos. Tanto o despertar das aspirações das classes populares quanto a pletora de oportunidades com que se defrontam as nossas empresas - o etanol ou, melhor dizendo, o canavial como coletor de energia solar; a tecnologia da informação; o software brasileiro; o núcleo eletromecânico; e muitas outras - representam uma capacidade de gerar demanda autóctone, enraizada, com rendimentos crescentes, ao contrário do deslocamento da demanda externa.
Leia a íntegra em:
www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090524/not_imp375926,0.php

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