quarta-feira, 22 de julho de 2009

II - O exílio e a vida fora do Brasil


"Não tinha medo de morrer. E pensava que, se morresse, outras gerações iriam continuar a luta"

E o exílio?
Foi uma viagem direta, sem escala, da Varig. Fomos muito bem recebidos lá porque estava no Poder o socialista Salvador Allende, que era um governo democrático e que estava construindo o que chamávamos na época de o socialismo pela via democrática. O ministro das Relações Exteriores nos encontrou no aeroporto e não deixou que descêssemos algemados no solo chileno. Cortaram as algemas na escada do avião. Na época, Allende governava em Valparaíso, e um grupo de dez presos políticos, do qual eu fiz parte, foi até o presidente. No gabinete de Valparaíso, Allende nos ofereceu hospedagem no Chile e também em Cuba, já que estava saindo um navio para lá naquela semana. Optei em ficar no Chile, onde militei muito.

Como havia um processo de transformação no país, onde as minas de cobre haviam sido estatizadas e nacionalizadas, a reforma agrária estava sendo feita... empresas que seus donos, para boicotar o governo de Allende, fechavam (o locaute) eram tomadas pelos trabalhadores. Assim se criou a área social, que era uma gestão feita pelos sindicatos de trabalhadores com o governo. As organizações populares prosperaram: organizações de movimentos comunitários, dos cordões industriais (organizações que uniam todos os sindicatos de trabalhadores de uma determinada região de Santiago). Ainda teve a reforma urbana, já que, à medida que os trabalhadores tomavam os terrenos ociosos, Allende desapropriava e transformava em habitação popular. Não nos sentíamos como exilados, até porque nos incorporamos naquele processo tão rico.

No entanto, alertávamos para a necessidade de que o povo estivesse organizado caso ocorresse um golpe de Estado. Porque nós vivenciamos o caso do Brasil, em que o governo de João Goulart era de transformação pela via democrática, reformista e o imperialismo norte-americano e as elites civis brasileiras, utilizando os militares, não pensaram duas vezes em dar o golpe e violar o processo democrático, estabelecendo a ditadura. Sabíamos que naquela disputa da Guerra Fria, os Estados Unidos iriam financiar um golpe no Chile. E foi o que aconteceu. Eu trabalhava em uma das fábricas tomadas pelos trabalhadores, se chamava Consórcio Nietos Hermanos, que era uma fábrica de conserva, em que tinha entrado para aprender o ofício de torneiro mecânico. Tínhamos nos preparado para resistir na fábrica e esperávamos um levante de parte do exército para a insurreição popular. No entanto, o racha não aconteceu e estávamos desarmados.

Pela segunda vez, clandestinidade e exílio?
Depois do golpe e do assassinato de Allende [em 1973], dispersamos e fui para uma comunidade, de São Miguel, que era um bairro popular de trabalhadores dos partidos socialista e comunista. Estávamos em casas de famílias chilenas que nos deram abrigo. Ficava uma noite em cada casa. Os militares começaram a atirar panfletos pela cidade em que pediam para que a população denunciasse o primeiro estrangeiro que encontrassem “porque foram eles que trouxeram o germe do marxismo e do comunismo para o Chile”. O Exército ainda tinha patrulhas que andavam nas principais ruas de Santiago. No entanto ainda tínhamos esperança, pois havia uma notícia de que o general Carlos Prates (das forças armadas, leal ao governo Allende, que havia sido comandante do exército) viria com tropas do Sul para iniciar uma insurreição. Tudo mudou quando vimos Prates na TV algemado; vimos que não tinha como ocorrer alguma resposta imediata. Tivemos que entrar na clandestinidade. Me mudei para uma outra vila, chamada de João Goulart (em alusão ao presidente brasileiro que sofreu o golpe). Nesta, corri maior risco, porque foi cercada pelo exército chileno e as casas foram revistadas, uma por uma.

A repressão do Chile foi tão violenta que era como se fosse um exército de ocupação, como o exército nazista fez na 2ª Guerra Mundial. Não precisavam de denúncia nem nada. Iam revistando para ver se encontravam algum suspeito, estrangeiro ou arma. Militares brasileiros estavam no Estádio Nacional, em Santiago, para identificar os brasileiros e ensinar tortura aos militares chilenos.

Eu ainda tinha comigo uma carta com orientações políticas escrita a próprio punho pelo capitão Lamarca, em que me nomeava representante da VPR no Chile, e tive que queimá-la porque, se me encontrassem com ela, me passavam diretamente aos policiais brasileiros.

Em novembro de 1973, consegui entrar em um refúgio das Nações Unidas que ficava em um convento de padres. Nesse refúgio tinha umas 1,2 mil pessoas entre brasileiros, uruguaios, bolivianos outros latino-americanos. Conseguimos viver inclusive em comunidade. Tiramos uma coordenação para administrar o espaço, já que era muita gente. E, em janeiro de 1974, fui enviado a Cuba.

Como foi teu período em Cuba e a volta ao Brasil?
Em Cuba, foi um alívio, já que o socialismo estava instituído. Fomos recebidos com muita solidariedade. A população, mesmo sofrendo com problemas habitacionais, doou um apartamento por edifício aos exilados que vieram do Chile. É fantástica a solidariedade do povo cubano. Fiquei até o final de 1977, quando começaram os movimentos pela anistia no Brasil. Eu e outros companheiros decidimos ir para a Europa para depois preparar a volta ao nosso país. Fui para Paris, na França.

Em agosto de 1979 foi aprovada a anistia e volto ao Brasil em 1º de novembro daquele mesmo ano, para Porto Alegre, onde me inseri no processo de reedição do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), assim como vários outros companheiros da luta armada e da esquerda. No entanto, o partido não seguiu o rumo que achávamos que deveria e, em 1989, fomos os primeiros a apoiar a candidatura de Lula, começando assim a nossa transição para o PT. Rompemos definitivamente em 1990, quando o PT não tinha chances de vencer eleições ao governo do Rio Grande do Sul e já o PDT tinha. Somos respeitados até hoje por isso.

Um comentário:

Carlos Eduardo da Maia disse...

A história romântica contada não é bem essa. A situação econômica no Chile na época do governo Allende era extremamente delicada. Inflação nas núvens, desemprego em massa, dólar nas alturas, greves em todos os locais, lockouts. Isso está dito no livro "Os Carbonários" e "Roleta Chilena"do Alfredo Sirkis e nos livros do Gabeira. Allende foi eleito por apenas 30 e poucos por cento da população chilena e acreditou ter feito uma revolução socialista. Esse foi seu grande e manifesto equívoco, porque ele não tinha tanto poder popular. Mas tudo isso não justificam os golpes, nem no Chile e nem em Honduras, onde também Zelaya não é tão popular assim. Golpe na AL? Nunca mais.

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