quarta-feira, 22 de julho de 2009

III - "A luta hoje é continuidade histórica da nossa luta anterior"

"E cabe a nós lutar para transformar a sociedade em mais humana e igualitária. Como diz o Antonio Gramsci, devemos ter o pessimismo da razão e o otimismo da vontade para construir uma nova sociedade, que não será igual em todos os países. Mas que seja uma sociedade estruturada na democracia e na igualdade, que seja socialista."

O editorial em que o jornal Folha de S. Paulo classificou a ditadura brasileira como “ditabranda” causou indignação. Como tu enxergas essa reação da mídia convencional em relação à ditadura?
A elite brasileira até hoje não se conforma quando perde as eleições. Vemos isso no episódio da morte de Getúlio Vargas [agosto de 1954], que era um governo de plataforma nacionalista e anti-imperialista, quando não quiseram dar posse ao Juscelino Kubitschek (quem garantiu a posse dele foi o general Henrique Teixeira Lott). Isso que o JK não era nem um governo reformista e muito menos de esquerda. E, depois, com a renúncia de Jânio Quadros, não queriam deixar João Goulart, vice-presidente eleito, assumir o poder. Só assumiu devido à campanha da legalidade, encabeçada pelo Leonel Brizola. Mesmo assim, em 1964, a elite conseguiu golpear o governo do Jango. E não foi porque havia algum perigo à democracia, mas sim porque o governo tinha apoio popular e estava fazendo transformações, como as reformas de base, limitando remessas de lucro das multinacionais para o exterior, fazendo reforma agrária na beira de grandes rodovias... E o caso das acusações da mídia à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, forte candidata à presidência da República, por ela ter participado da luta armada. Isso é que está em questão quando a Folha de S. Paulo chama a ditadura de “ditabranda”.
A ditadura é igual em qualquer lugar, independente da correlação de forças de cada país. A entrevista que a Folha fez com a Dilma sobre a militância dela durante a ditadura foi uma verdadeira interrogação policial. O capitão Maurício, que a Folha entrevistou, me torturou. Era oficial do Exército junto com o Lamarca e, por isso, nutria raiva pessoal dos integrantes da VPR. Quando ele soube que eu tinha estado com o Lamarca na Ribeira, ele me sentou na cadeira do dragão, pegou a manivela que gerava o choque e somente parou quando cansou. Em que nível nós chegamos que um jornalista entrevista um torturador desses? Isso é um desserviço; os jornalistas não deveriam concordar com tudo o que os seus patrões mandam.

As ações judiciais que as famílias estão movendo contra os torturadores contribuem para que ocorra Justiça em relação à tortura?
Essa ação da família Telles contra o Ustra cumpre com um papel para haver o reconhecimento de que ele comandou a tortura; no caso deles, de que ele torturou. São ações muito importantes para resgatar a história e também é uma punição moral. Todos esses movimentos que marcam, por exemplo, os aniversários do golpe, a fim de mostrar o que realmente aconteceu, também são importantes. É uma luta fundamental para que se tenha uma sociedade democrática, de justiça, de livre pensamento e inclusive para que a sociedade se transforme. Mostrar que as elites não podem golpear e ficar por isso mesmo. Se temos democracia hoje é porque houve luta e resistência. Os torturadores, os seus comandantes e os presidentes militares devem ser julgados porque os crimes de tortura são de lesa-humanidade e, portanto, imprescritíveis.

Ao teu ver, ainda existe repressão?
Essa ação do promotor Gilberto Thums contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST] é um exemplo disso e é inadmissível. E o governo de Yeda Crusius [PSDB/RS] se aproveitou para fechar as escolas itinerantes. O argumento de que as escolas seriam ideológicas é inadmissível. O que as escolas luteranas, católicas, maristas, que ensinam religião, são? Como assim, não se pode falar em Che Guevara? Ele é até hoje um herói do povo latino-americano. Por que não se pode falar em Carlos Lamarca, que lutou contra a ditadura – até hoje os militares dizem que ele é um desertor – e dizer que ele é na verdade um herói do povo brasileiro.
Nós é que temos que contar a nossa história. Assim como a gente não quer que os torturadores fiquem impunes, a atitude desse promotor e do governo Crusius também não pode ficar. Criminalizar é uma prática policial que não devemos deixar se expandir. O MST é uma organização que cumpre uma função social, entre elas a da educação, e a aí vem um governo de direita e acaba com tudo. A repressão não acabou na ditadura, existe até hoje. Devemos nos indignar e agir sobre isso. E aí não precisa ser somente os sem-terra, também devem ser os trabalhadores do campo e da cidade, os estudantes, todos nós.

O que ficou da luta de vocês contra a ditadura?
O que ficou é que a nossa luta não foi em vão. E a luta hoje é continuidade histórica da nossa luta anterior, com as novas gerações. Podemos dizer que a nossa geração, apesar de ter sofrido derrotas, também teve grandes vitórias, como a luta pela anistia, a construção de partidos de esquerda no Brasil, algumas transformações feitas por Lula, as nossas ideias que estão triunfando em alguns países da América Latina. A crise do capitalismo que hoje vivemos, a crise estrutural de produção e de consumo, essa é a nossa maior vitória. O muro de Wall Street caiu. Nem mesmo com a ditadura da mídia eles conseguem esconder isso. E cabe a nós lutar para transformar a sociedade em mais humana e igualitária. Como diz o Antonio Gramsci, devemos ter o pessimismo da razão e o otimismo da vontade para construir uma nova sociedade, que não será igual em todos os países. Mas que seja uma sociedade estruturada na democracia e na igualdade, que seja socialista.

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