Se o presidente Lula não vetar a lei que dá nova disciplina jurídica aos índices de produtividade dos imóveis rurais, quem ainda falar em reforma agrária estará dando a si próprio um atestado de sandice.
Índices de produtividade são medidas da eficiência no uso das terras de uma fazenda. Foram introduzidos na legislação agrária por força da Constituição de 1988 e são elementos decisivos para classificar como produtivo ou improdutivo um imóvel rural objeto de desapropriação - somente os desta categoria podem ser desapropriados para fins de reforma agrária.
A lei que disciplinou o preceito constitucional atribui aos ministros do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura a competência para assinar uma Instrução ministerial conjunta fixando periodicamente esses índices.
A Instrução atualmente em vigência está defasada em mais de três décadas! No Brasil, como se sabe, há leis que se acatam, mas não se cumprem.
No governo FHC, o ministro Jungmann encomendou a duas instituições especializadas estudos técnicos para atualizar os índices, sem mencionar a cada uma delas o que a outra estava fazendo. O resultado foi a coincidência quase absoluta dos resultados. Nem assim a Instrução atualizadora foi assinada.
Lula herdou essa situação e teve que avocar a decisão sobre publicá-la ou não ao seu despacho porque o ministro da Agricultura negou-se a assinar o texto que lhe enviou o ministro do Desenvolvimento Agrário. Para não desagradar a bancada ruralista manteve a Instrução guardada em sua gaveta, apesar dos apelos do MST.
Sem novos índices, não há mais fazendas improdutivas nas regiões efetivamente ocupadas pela exploração agropecuária e florestal.
Mas o agronegócio, que é previdente, não quer ficar na mão de governo algum e apresentou o projeto de lei aprovado nesta semana em virtude de um "cochilo" da bancada governista.
Se o Lula sancioná-lo, a reforma agrária, que já está agonizante, morrerá de vez, pois o projeto aprovado exige que a atualização dos Índices seja feita periodicamente por uma lei do Congresso – garantia de que jamais uma atualização verdadeira será aprovada.
Porém, seguindo a mesma tática da Medida Provisória da "legalização da grilagem" – já comentada nesta coluna -, o Projeto contém um "bode".
Para descobri-lo, é preciso recorrer a um exemplo: a classificação de uma fazenda como produtiva (não suscetível de desapropriação) é feita por meio da aplicação de dois índices: um mede o uso da terra; outro, a eficiência na exploração da terra utilizada.
Assim: pela lei atual, uma fazenda que tem 10.000 hectares e só cultiva 1.000 hectares, mas apresenta um índice de produtividade (quantidade de produção por hectare) igual ou superior à média do país na área cultivada, poderá ser desapropriada por não usar suas terras de acordo com a média do país, apesar de ser bastante eficiente nas terras que cultiva.
O projeto aprovado abole o primeiro índice, de modo que um imóvel com essas características escapa da desapropriação.
Não é difícil prever o que vai acontecer: Lula vetará esse artigo. Em outras palavras: retirará o "bode" do projeto.
Os lulistas, aliviados, passarão a defender a lei, porque afinal ela não contém mais o que seria perigoso para a reforma agrária.
A bancada ruralista, para não dar muito na vista, ensaiará um simulacro de protesto. Mas ela está radiante porque seu principal objetivo – transferir a competência da atualização dos índices para uma instância absolutamente segura como o Congresso – foi plenamente atingido.
O povo que tem voz na política não dirá nada, pois uma parte é conivente com o golpe e outra parte, embora indignada, encontra-se dividida, confusa e, por isso, sem condições de agir.
O povo que não tem voz na política... esse não dirá nada, porque uma parte dele está inebriada pela ilusão de consumismo que o Bolsa Família propicia e a outra parte encontra-se em estado de absoluta prostração.
Quisque tandem!
Índices de produtividade são medidas da eficiência no uso das terras de uma fazenda. Foram introduzidos na legislação agrária por força da Constituição de 1988 e são elementos decisivos para classificar como produtivo ou improdutivo um imóvel rural objeto de desapropriação - somente os desta categoria podem ser desapropriados para fins de reforma agrária.
A lei que disciplinou o preceito constitucional atribui aos ministros do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura a competência para assinar uma Instrução ministerial conjunta fixando periodicamente esses índices.
A Instrução atualmente em vigência está defasada em mais de três décadas! No Brasil, como se sabe, há leis que se acatam, mas não se cumprem.
No governo FHC, o ministro Jungmann encomendou a duas instituições especializadas estudos técnicos para atualizar os índices, sem mencionar a cada uma delas o que a outra estava fazendo. O resultado foi a coincidência quase absoluta dos resultados. Nem assim a Instrução atualizadora foi assinada.
Lula herdou essa situação e teve que avocar a decisão sobre publicá-la ou não ao seu despacho porque o ministro da Agricultura negou-se a assinar o texto que lhe enviou o ministro do Desenvolvimento Agrário. Para não desagradar a bancada ruralista manteve a Instrução guardada em sua gaveta, apesar dos apelos do MST.
Sem novos índices, não há mais fazendas improdutivas nas regiões efetivamente ocupadas pela exploração agropecuária e florestal.
Mas o agronegócio, que é previdente, não quer ficar na mão de governo algum e apresentou o projeto de lei aprovado nesta semana em virtude de um "cochilo" da bancada governista.
Se o Lula sancioná-lo, a reforma agrária, que já está agonizante, morrerá de vez, pois o projeto aprovado exige que a atualização dos Índices seja feita periodicamente por uma lei do Congresso – garantia de que jamais uma atualização verdadeira será aprovada.
Porém, seguindo a mesma tática da Medida Provisória da "legalização da grilagem" – já comentada nesta coluna -, o Projeto contém um "bode".
Para descobri-lo, é preciso recorrer a um exemplo: a classificação de uma fazenda como produtiva (não suscetível de desapropriação) é feita por meio da aplicação de dois índices: um mede o uso da terra; outro, a eficiência na exploração da terra utilizada.
Assim: pela lei atual, uma fazenda que tem 10.000 hectares e só cultiva 1.000 hectares, mas apresenta um índice de produtividade (quantidade de produção por hectare) igual ou superior à média do país na área cultivada, poderá ser desapropriada por não usar suas terras de acordo com a média do país, apesar de ser bastante eficiente nas terras que cultiva.
O projeto aprovado abole o primeiro índice, de modo que um imóvel com essas características escapa da desapropriação.
Não é difícil prever o que vai acontecer: Lula vetará esse artigo. Em outras palavras: retirará o "bode" do projeto.
Os lulistas, aliviados, passarão a defender a lei, porque afinal ela não contém mais o que seria perigoso para a reforma agrária.
A bancada ruralista, para não dar muito na vista, ensaiará um simulacro de protesto. Mas ela está radiante porque seu principal objetivo – transferir a competência da atualização dos índices para uma instância absolutamente segura como o Congresso – foi plenamente atingido.
O povo que tem voz na política não dirá nada, pois uma parte é conivente com o golpe e outra parte, embora indignada, encontra-se dividida, confusa e, por isso, sem condições de agir.
O povo que não tem voz na política... esse não dirá nada, porque uma parte dele está inebriada pela ilusão de consumismo que o Bolsa Família propicia e a outra parte encontra-se em estado de absoluta prostração.
Quisque tandem!
Por Plinio de Arruda Sampaio, originalmente publicado no Correio da Cidadania
Plinio de Arruda Sampaio, de 78 anos, é advogado, presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do "Correio da Cidadania". Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
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